O governo angolano vai continuar a suportar todas as despesas de José Eduardo dos Santos, seja qual for a decisão médica tomada em relação ao ex-Presidente de Angola, assegurou ao Observador fonte do executivo presidido por João Lourenço.
Segundo o Jornal de Negócios, a clínica onde o antigo estadista está internado teria informado a família que caso optasse por desligar o suporte de vida a que está ligado, o Estado angolano deixaria de pagar os custos. Perante essa indicação, os filhos terão respondido que assegurariam as despesas inerentes à sua decisão.
“Isso não faz sentido nenhum”, diz ao Observador fonte do Palácio da Cidade Alta. “A atitude do governo angolano não mudou. Obviamente que mantém até ao fim as suas responsabilidades constitucionais em relação ao ex-Presidente”. E aqui cabem não só gastos como também o funeral. Mas já lá vamos.
Até ao momento, segundo a mesma fonte, o Estado angolano tem suportado todas as despesas de José Eduardo dos Santos: as médicas, onde se inclui a clínica em que está internado desde o dia 23 nos cuidados intensivos, mas também as de manutenção e de pessoal da mansão de Miramar, em Luanda, e os gastos com a casa de Barcelona. Na lista, inclui-se também o gabinete de apoio do ex-Presidente e os seguranças que o protegem em Pedralbas, o bairro de elite catalão em que o antigo Presidente vive.
Neste âmbito das responsabilidades constitucionais para com o Presidente Emérito enquadra-se o futuro funeral — caso José Eduardo dos Santos não recupere do grave estado clínico em que se encontra — como explica ao Observador um advogado angolano. “Claro que não está escrito na Constituição, mas subeentende-se e faz parte da tradição. É impensável que um ex-Presidente com um mandato de 38 anos não tenha um funeral de Estado”, acrescentou.
Ora aqui pode estar uma dor de cabeça para João Lourenço. “É do total interesse político do atual Presidente fazer um funeral de Estado, capitalizando o momento para benefício do MPLA a pouco tempo de eleições”, analisa uma figura de relevo ligada às duas presidências. Apesar de todas as acusações de nepotismo, corrupção e esbanjamento de fundos públicos José Eduardo dos Santos (JES) é acarinhado por muitos angolanos. Veem-no como o Arquitecto da Paz, que acabou com uma guerra civil de quase três décadas, como o homem que uniu o país (com excepção de Cabinda não há muitos ímpetos separatistas) e criou as bases do Estado.
Mas morrendo JES em Espanha não é líquido que seja sepultado em Luanda. As filhas Tchizé e Isabel poderão não o querer. E a última tem particulares razões para isso. Com os processos judiciais que pendem sobre aquela que já foi considerada a mulher mais rica de África, pode ser detida assim que entrar em Luanda.
Aliás, segundo informação ontem avançada pelo Jornal de Negócios, a justiça angolana terá tentado deter Isabel dos Santos nos Países Baixos, este mês. A primogénita de Zédu (como é conhecido em Angola) teria acabado por frustrar as intenções da Procuradoria Geral de Angola que teria pedido a sua detenção e deportação. Ainda segundo o mesmo jornal, os seus advogados terão conseguido que as autoridades neerlandesas a libertassem depois de ter sido ouvida.
PGR nega ter pedido a detenção de Isabel dos Santos nos Países Baixos
Versão diferente tem a Procuradoria Geral da República de Angola. Contactada pelo Observador explica que depois de ter conhecimento que Isabel dos Santos estava na Holanda, solicitou, mediante carta rogatória, que fosse notificada na sua qualidade de arguida e fosse interrogada. “Em nenhum momento se requereu detenção/prisão da arguida”. A mesma fonte da PGR recorda o que foi noticiado na altura: “Abordada pelas autoridades competentes não aceitou notificação nem audição, tendo abandonado o país”.
Tendo em conta que o PGR angolano já admitiu a emissão de um mandado de captura internacional e que na recente entrevista à RTP João Lourenço disse separar as questões de amizade das judiciais, não admira pois que Isabel dos Santos não tenha qualquer vontade de aterrar em Angola. Pode assim opor-se ao funeral do pai em Luanda. A menos que haja alguma vontade expressa do ex-Presidente nesse sentido. E, até ao momento, isso desconhece-se, embora haja rumores em Angola de que JES terá deixado um documento sobre o assunto.
Não é a primeira vez que o local do funeral do ex-Chefe de Estado se coloca. A mesma fonte contou ao Observador que, já em 2020, o Presidente da Namíbia (tal como o seu antecessor) sugeriram que JES saísse de Barcelona e fosse tratado na Namíbia, país vizinho de Angola, para que não se desse o caso de vir a morrer “longe de casa”, como aconteceu com Agostinho Neto, na Rússia. “Não quiseram”, diz.
Claro que “João Lourenço pode ser um estadista magnânimo e permitir que as filhas entrem em Luanda, assistam ao enterro do pai e depois voltem a sair, continuando a seguir com os processos que pendem sobre elas”, adianta a mesma fonte.
A verdade é que a justiça angolana não permitiu que Filomeno — o filho de JES que foi condenado a 5 anos de prisão por burla e defraudação, peculato e tráfico de influências e aguarda em liberdade apreciação do recurso apresentado —, viajasse para Barcelona para ver o pai.
O Observador tentou obter uma resposta do governo angolano sobre o funeral, mas sem sucessso: gabinete de João Lourenço recusa-se perentoriamente a dizer o que quer que seja sobre o assunto, enquanto José Eduardo dos Santos estiver em coma, como está, e ligado a máquinas.
As relações entre a família Dos Santos e João Lourenço têm sido tensas, com a filha Tchizé a fazer várias acusações ao Presidente angolano.
Mas o conflito não se fica por aí. A ex-deputada do MPLA e Ana Paula dos Santos incompatibilizaram-se, a ponto de Tchizé contratar uma advogada espanhola para afastar a mulher oficial do pai (vivem separados desde 2017) de todo o processo e a impedir de ter voz ativa na decisão de desligar ou não o suporte de vida a José Eduardo dos Santos.
Tchizé dos Santos contrata advogada espanhola para impedir que desliguem suporte de vida do pai
(notícia atualizada às 9h48 do dia 30 de junho com a resposta da PGR angolana)