A juíza Margarida Alves deferiu a promoção do Ministério Público e alterou a medida de coação de José Sócrates. Assim, o ex-primeiro-ministro está obrigado a ir de 15 em 15 dias ao posto da GNR da Ericeira para se apresentar, de forma a que as autoridades saibam onde está.
Horas depois de ser conhecida esta decisão, José Sócrates considerou tratar-se de “pura vingança”. “Perderam qualquer sentido de pudor”, acrescentou, em entrevista à CNN. O antigo primeiro-ministro garantiu ainda que não vai interromper as suas viagens ao Brasil. “Vou continuar e arranjarei uma forma de acabar o doutoramento.”
O Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa deu assim como provado que Sócrates violou “ostensivamente” as regras do Termo de Identidade e Residência (TIR). O Gabinete Nacional da Interpol informou que o ex-primeiro-ministro viajou para o Brasil e esteve ausente de Portugal “ininterruptamente durante cerca de dois meses” entre “4 de abril e 12 de junho de 2022” e cerca de 12 dias “entre 2 de agosto de 2021 e 12 de junho de 2022”, lê-se no despacho.
Nenhuma dessas viagens foi comunicada ao tribunal, apesar de Sócrates estar obrigado a tal, como a juíza Margarida Alves confirma no seu despacho.
“Ponderando a factualidade que resultou provada, entendemos, neste momento, que se mostra “adequada e proporcional fixar a periodicidade das referidas apresentações quinzenais”, lê-se no despacho da juíza Margarida Alves.
As razões da juíza para alterar a medida de coação
A defesa de José Sócrates tentou arguir que a juíza Margarida Alves estava impedida de decidir sobre esta matéria, em virtude da nova alteração legal que alargou os impedimentos do juízes. A magistrada rejeitou tal impedimento. “Não é pelo facto de um processo estar na fase de julgamento que um juiz a que o mesmo foi distribuído se encontra impedido ou se torna incompetente”, justificou no despacho a que o Observador teve acesso.
A juíza rejeitou igualmente outro grande argumento do ex-primeiro-ministro: a de que o TIR não tinha sido transmitido da Operação Marquês para o novo processo que nasceu de uma certidão emitida pelo juiz Ivo Rosa. A magistrada fez questão de escrever as datas em que José Sócrates foi sujeito ao TIR, mantendo-se o mesmo válido no atual processo: 21 de novembro de 2014, 20 de agosto de 2015 e 15 de janeiro de 2016.
José Sócrates admitiu no seu interrogatório desta quinta-feira que se tinha ausentado do país durante mais de cinco dias para o Brasil, justificando as viagens com a frequência de um doutoramento e justificou que não tinha de comunicar as mesmas ao tribunal com a sua interpretação jurídica sobre os efeitos do TIR. Na prática, repetiu os argumentos que já tinha explicitado publicamente: invocou razões da privada, argumentos jurídicos e aconselhamento do advogado.
Tribunal dá cinco dias a José Sócrates para explicar ausências no Brasil
Tais argumentos não mereceram qualquer acolhimento por parte da juíza Margarida Alves. “Não existe qualquer dúvida que o arguido com o seu comportamento violou” de “forma ostensiva a obrigação de não se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar ao processo”, lê-se no despacho da magistrada.
Como José Sócrates não reconheceu que tinha tal obrigação de comunicação, a juíza Margarida Alves entende que é “manifesto que, a qualquer momento, nomeadamente quando se vir confrontado com a possibilidade de vir a ser julgado” pela prática de três crimes de falsificação de documento e três crimes de branqueamento de capitais, o “arguido pode decidir eximir-se à ação da Justiça ou, pelo menos e até lá, inviabilizar a sua localização e a sua comparência a acto processual”.
Daí a necessidade de se alterar a medida de coação para a apresentação quinzenal no posto da GNR na Ericeira, a esquadra mais próxima da sua área da residência.