O antigo primeiro-ministro japonês Shinzo Abe foi esta sexta-feira alvo de um ataque durante o discurso num comício na cidade de Nara. Saiu do local ainda com vida, mas em estado muito grave. Acabou por morrer no hospital, segundo fonte do Partido Liberal Democrático, citado pela emissora nacional NHK.

Shinzo Abe participava num comício eleitoral do Partido Liberal Democrático (PLD) para as eleições parlamentares de 10 de julho, quando foram ouvidos tiros, relatam a emissora estatal NHK e a agência noticiosa Kyodo. Os comícios eleitorais no Japão são geralmente realizados nas ruas e com poucas medidas de segurança, devido à baixa taxa de criminalidade e de ataques com armas de fogo.

A Sky News mostra um vídeo do momento em que Shinzo Abe foi baleado, da detenção do suspeito e da alegada arma de fogo usada.

Um repórter do jornal diário Yomiuri Shimbun disse que, após ouvir o som de um disparo, o ex-primeiro-ministro caiu no chão inconsciente. E fonte do PLD terá dito à agência de notícias japonesa Jiji que o político japonês se encontrava a sangrar do pescoço. A Agência de Gestão de Incêndios e Desastres do Japão confirmou que havia um ferimento de bala no lado direito do pescoço e uma hemorragia subcutânea na parte esquerda do peito.

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Shinzo Abe, de 67 anos, foi transportado de ambulância para um hospital perto da estação Kintetsu Yamato-Saidaiji, acrescentou o jornal Yomiuri Shimbun. A emissora NHK relatou que, quando o antigo primeiro-ministro foi transportado para a unidade hospitalar, aparentava estar em paragem cardiorrespiratória.

Vários órgãos de comunicação divulgaram imagens do atentado e dos momentos que se seguiram, com um aviso de que o conteúdo pode ser considerado sensível

O atual primeiro-ministro, Fumio Kishida, disse aos repórteres horas mais tarde, em conferência de imprensa, que Abe se encontrava “num estado muito grave”. Num discurso emotivo, uma manifestação rara entre os políticos no Japão, Fumio Kishida, disse estar sem palavras perante o “ato de brutalidade”.

Este ataque bárbaro aconteceu durante uma campanha eleitoral, que é um pilar da democracia. Nunca seremos capazes de perdoar”.

Shinzo Abe chegou ao hospital já sem sinais vitais e com dois ferimentos que se acredita terem sido provocados por balas, avançou o médico Hidetada Fukushima, citado pela Sky News. A morte foi declarada no hospital após tentativas para o reanimar. De acordo com Fukushima, o ex-primeiro-ministro apresentava dois pequenos ferimentos no pescoço e uma bala penetrou o seu coração, provocando danos graves. Os média japoneses noticiam que o corpo deverá ser transportado para Tóquio até sábado.

O homicídio do antigo líder chocou o Japão e nas últimas horas vários cidadãos têm sido vistos a deixar flores e a rezar no local do tiroteio. A comunidade internacional condenou fortemente o crime, com vários líderes mundiais a descrever o ataque como  um ato “hediondo” e “cobarde”.

Japan Reacts As Former PM Abe Dies after Being Shot

Apesar da morte do antigo líder japonês, a campanha eleitoral vai continuar no sábado, como planeado. O secretário-geral do Partido Liberal Democrático garantiu que a campanha não vai ser interrompida para mostrar que não vão “sucumbir à violência”. O Japan Times adianta que também as eleições parlamentares mantêm a data prevista, a 10 de julho, embora o ataque tenha levantado questões sobre a segurança.

Detido homem de 41 anos que “terá disparado para matar”

Um homem foi detido e apreendida uma arma de fogo no local, relatou a NHK. Entretanto, o Ministério da Defesa japonês indicou que o alegado agressor é Tetsuya Yamagami, de 41 anos, e trabalhou no ramo naval das Forças de Auto-defesa por três anos, até 2005.

Um vídeo de um repórter da NHK partilhado no Twitter mostra o suspeito à espera momentos antes do discurso de Shinzo Abe começar e a sua detenção após o ataque.

O homem, que vive na cidade de Nara, onde decorreu o ataque, foi preso no local do atentado enquanto segurava uma arma com a qual terá disparado dois tiros contra o antigo líder japonês. Quando foi agarrado pelos agentes de segurança, não ofereceu resistência à detenção, noticiou a BBC.

Segundo a NHK, a polícia refere que o homem disse aos investigadores que estava insatisfeito com o antigo primeiro-ministro e que “disparou com intenção de matar”.

Relatos de testemunhas no local indicam que a arma seria grande e aparentemente de fabrico caseiro. Os incidentes com armas de fogo e os incidentes de violência policial no Japão são raros e é extremamente difícil adquirir uma arma no país.

Fotografias e vídeos divulgados mostram a arma utilizada no ataque caída no chão. Com um aspeto improvisado, a arma parece ser composta por dois tubos, ligados e fixados por fita adesiva e uma placa. Nas redes sociais multiplicaram-se teorias sobre o modelo, lançando-se a hipótese de que se trata de uma arma caseira ou impressa com recurso a uma impressora 3D.

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Suspeito admite ter disparado contra Shinzo Abe com uma arma caseira

Numa conferência de imprensa após a confirmação da morte de Shinzo Abe, as autoridades divulgaram mais pormenores sobre a investigação do homicídio, para a qual foi criada uma task force com 90 pessoas.

O suspeito, que viajou até ao local do comício através de comboio, admitiu ter disparado contra o antigo primeiro-ministro com uma arma de fabrico caseiro. A polícia, citada pela BBC, adiantou ainda que Tetsuya Yamagami terá dito que guardava rancor contra uma “organização específica” – cujo nome não foi divulgado – e que acreditava que o antigo líder era um dos membros, razão pela qual o matou.

Aos jornalistas a polícia explicou que a arma do crime era composta por várias materiais, incluindo madeira e metal, mas para já não conseguiu determinar se foi feita com uma impressora 3D. As buscas à casa do homem resultaram na apreensão de outras armas caseiras, semelhantes à utilizada no atentado desta sexta-feira, bem como vários explosivos. Técnicos de desarmamento de bombas estão no local para avaliar a situação pelo que os residentes tiveram de ser retirados até que a área seja considerada segura.

Questionadas sobre o nível de segurança do evento, as autoridades limitaram-se a responder que não podem especular sobre de quem é a culpa e que é necessário continuar a investigar.

Shinzo Abe, o líder japonês que resistiu a escândalos e bateu recordes

Shinzo Abe, de 67 anos, esteve em funções como primeiro-ministro do Japão em 2006, durante um ano, e novamente de 2012 a 2020, quando deixou o cargo por razões de saúde. Curiosamente, o primeiro-ministro que mais tempo tinha ficado no cargo antes dele foi seu tio-avô, Eisaku Sato — entre 1964 a 1972.

O nacionalista pragmático tinha 52 anos quando se tornou chefe de Governo pela primeira vez em 2006, o mais jovem da história do seu país no pós-guerra. Deixou a sua marca durante o segundo mandato (2012-2020) com uma política ousada de recuperação económica e uma intensa atividade diplomática.

O ex-primeiro-ministro japonês chegou a pedir desculpas em 2020 no Parlamento por um escândalo relacionado ao financiamento de receções organizadas para os seus partidários, apesar da Justiça ter decidido não apresentar acusações contra Abe.

epa08671879 Japan's outgoing Prime Minister Shinzo Abe speaks to reporters upon his arrival at the prime minister official residence in Tokyo, Japan, 16 September 2020. The Liberal Democratic Party's (LDP) new president Yoshihide Suga will take office as Japan's new prime minister later on 16 September. EPA/JIJI PRESS JAPAN OUT EDITORIAL USE ONLY/ NO ARCHIVES

Antes, a reputação de Shinzo Abe e da mulher, Akie, assim como a do então ministro das Finanças, ficaram manchados depois de os seus nomes terem sido removidos de documentos relacionados com a venda de um terreno do Estado, a um preço quase dez vezes inferior ao do mercado, a favor de uma instituição educativa privada com ligações a Abe e à mulher.

No Verão de 2020, quando se tornou impopular devido à gestão da pandemia de Covid-19, considerada desastrosa pela opinião pública, admitiu que sofria de uma doença inflamatória intestinal crónica, colite ulcerosa, e demitiu-se pouco tempo depois. Esta doença tinha já sido uma das razões para o fim abrupto do primeiro mandato em 2007.

Shinzo Abe tornou-se conhecido a nível internacional sobretudo pela política económica, apelidada de “Abenomics”, lançada no final de 2012 e que combinava a flexibilização monetária, estímulos fiscais maciços e reformas estruturais. Conseguiu alguns êxitos, tais como um aumento significativo da taxa de participação das mulheres e dos cidadãos idosos na força de trabalho, bem como um maior recurso à imigração face à escassez de mão-de-obra. No entanto, sem reformas estruturais suficientes, a ‘Abenomics’ só produziu êxitos parciais.

A sua ambição última era a de rever a Constituição pacifista japonesa de 1947, escrita pelos ocupantes norte-americanos e não mais mais alterada desde então.

Shinzo Abe demite-se de primeiro-ministro no Japão por problemas de saúde

Tendo construído parte da sua reputação com base na posição dura sobre a Coreia do Norte, Abe também assumiu um Japão descomplexado com o passado: em particular, recusou-se a carregar o fardo do arrependimento pelos abusos do exército japonês na China e na península coreana na primeira metade do século XX. No entanto, absteve-se de visitar, como primeiro-ministro, o santuário Yasukuni de Tóquio, um foco do nacionalismo japonês, depois da sua visita a esse templo no final de 2013 ter indignado Pequim, Seul e Washington.

As relações entre Tóquio e Seul deterioraram-se no contexto das suas disputas históricas, enquanto que as relações com Pequim, que pioraram, continuam tensas.

Com o grande aliado do Japão, os Estados Unidos, Abe sempre se adaptou e tinha conseguido estabelecer laços estreitos com o ex-Presidente norte-americano Donald Trump, com quem partilhava uma paixão pelo golfe.

Shinzo Abe também tentou não hostilizar o Presidente russo, Vladimir Putin. A esperança de resolver a disputa sobre as Ilhas Kuril do Sul, anexadas pela União Soviética no final da Segunda Guerra Mundial e que não mais regressaram à soberania do Japão, fracassaram.

O ex-governante também tentou reforçar a presença do Japão na cena internacional, por exemplo, através da mediação entre o Irão e os EUA, promovendo o multilateralismo e aumentando os acordos de comércio livre.

Para permanecer no poder, Abe beneficiou largamente da ausência de um sério rival dentro do seu partido político, o Partido Liberal Democrático (LDP, direita nacionalista), e da fraqueza da oposição, que ainda não recuperou da desastrosa passagem no poder entre 2009 e 2012.

Algumas leis aprovadas por Abe, nomeadamente sobre o reforço da proteção dos segredos de Estado, a expansão das missões das Forças de Auto-Defesa Japonesas e o reforço da luta contra o terrorismo, causaram controvérsia no Japão, levando mesmo a grandes manifestações, raras no país.

Por outro lado, manteve-se durante muito tempo focado na esperança de organizar os Jogos Olímpicos de Tóquio no Verão de 2020, que seria o ponto alto do seu último mandato, contrariando a maioria da opinião pública. Os Jogos Olímpicos de Tóquio acabaram por ter lugar um ano mais tarde, à porta fechada.