O pacote de alterações ao Código do Trabalho proposto pelo Governo começou esta sexta-feira a ser discutido no Parlamento. Mas durante o debate com a ministra do Trabalho, o deputado do Bloco de Esquerda José Soeiro usou duras palavras para criticar alterações feitas pelo Executivo à proposta inicial no que toca ao trabalho nas plataformas digitais. Para os bloquistas, essas mudanças vêm dificultar o reconhecimento de um contrato de trabalho para os trabalhadores cedem “às multinacionais”. O Governo contraria esta visão e diz que a segunda versão vem até reforçar a proteção dos trabalhadores. Ainda assim, mostra-se disponível para “melhorar qualquer redação que tenha ficado pouco clara“.

José Soeiro começou por defender que a proposta original do Governo significava mudanças num “sentido positivo”, mas considera que foram feitas alterações, enviadas para o Parlamento para votação “ao arrepio” do que tem sido feito noutros países da UE, do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho e da diretiva da comissão europeia sobre a regulação do trabalho nas plataformas. “A ministra cedeu à última hora, sem aviso público, ao lobby das multinacionais“, criticou.

O deputado acusou ainda a nova proposta de “desfigurar” os indícios de laboralidade — ou seja, que servem como uma prova de que existe uma relação de trabalho. “Foi a tal pouco esta desfiguração que a coordenadora do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho veio dizer que o que estava nesta proposta não era a que estava no Livro Verde”, apontou.

As alterações, acredita, vão “dificultar” a possibilidade de um contrato de trabalho para os trabalhadores das plataformas. É “muito grave” porque “vem ceder às multinacionais”, sublinhou ainda.

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Mais tarde, Ana Mendes Godinho acabaria por contradizer o argumento de Soeiro, assegurando que o que foi feito foi “pelo contrário” um reforço da proteção dos trabalhadores porque havia dúvidas que todos “estavam cobertos”. “O objetivo foi, pelo contrário, reforçar para garantir que todos os trabalhadores têm um contrato de trabalho, independentemente para quem trabalham“, disse.

A ministra do Trabalhou mostrou-se disponível para, na especialidade, “melhorar qualquer redação que tenha ficado pouco clara“. E assegura que as alterações refletem a diretiva europeia.

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José Soeiro viria a responder-lhe, acusando mais uma vez o Governo de ceder ao que era pedido pelas plataformas. “Não está na proposta que apresentou contratos para todos. A formulação da proposta é incompatível com a diretiva europeia que não fala em intermediário, mas no reconhecimento de contrato entre a plataforma e trabalhadores”. E pede ao PS que, na especialidade, acompanhe o Bloco na garantia do reconhecimento de um contrato diretamente com a plataforma.

Em causa está uma alteração que o Governo fez à proposta inicialmente apresentada. Numa segunda versão, o Executivo coloca a possibilidade de a relação de trabalho dos estafetas seja assumida não apenas com as plataformas diretamente (como inicialmente), mas admite um “operador de plataforma digital” ou “outra pessoa singular ou coletiva beneficiária que nela opere”. A proposta deixa também cair alguns “indícios de laboralidade”, como o controlo da atividade do trabalhador através de geolocalização ou com um algoritmo na organização do trabalho.

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O Bloco já tinha expressado incompreensão por esta mudança que, considera, desprotege o trabalho e quer que a relação de trabalho seja diretamente estabelecida entre as plataformas digitais e o trabalhador. A própria coordenadora do Livro Verde sobre o futuro do trabalho, onde o tema começou a ser desenhado, também defendeu que a alteração inicial era “preferível”.

Já na reta final do debate, o secretário de Estado do Trabalho, Miguel, Fontes, também respondeu ao Bloco de Esquerda, reafirmando que a proposta “não representa nenhum retrocesso”. “É um combate firme a todas formes ilegítimas e desprotegidas que hoje existem ao abrigo das plataformas, independentemente de quem a preconiza e promove. Para nós é indiferente saber se são as plataformas ou os intermediários. Aquilo que queremos proteger são os direitos daqueles que nela trabalham enquanto trabalhadores. É isso que esta proposta de lei vem resolver”, afirmou.

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O pacote de alterações tem aprovação garantida por via da maioria absoluta do PS. Mas os partidos da oposição não pouparem nas críticas à proposta do Governo. Diana Ferreira, deputada do PCP, lamenta que a legislação mantenha “cortes do tempo da troika”, a nível da caducidade da contratação coletiva, nos despedimentos ou no trabalho suplementar.

O PCP, aliás, também leva a votação as suas propostas que incluem a reposição dos valores de pagamento de trabalho suplementar e em dia de feriado, para todos os trabalhadores para valores pré-troika: 50% na primeira hora e de 75% nas horas seguintes e de descanso compensatória de igual período às horas trabalhadas ou um acréscimo de 100% no salário diário em caso de trabalho num feriado.

No âmbito da agenda do trabalho digno, o Governo tinha proposta a reposição desses valores mas apenas acima da 120.ª hora, uma medida que acabou por retirar e atirar para um prometido acordo de rendimentos.

Os comunistas pedem ainda a reposição do tratamento mais favorável do trabalhador, assim como a eliminação da contratação coletiva, a revogação dos mecanismos de adaptabilidade e de banco de horas, nas modalidades grupal e por regulamentação coletiva.

Já Clara Marques Mendes, do PSD, diz que o Governo “impôs” a agenda do trabalho digno e “não teve a preocupação de aproximar posições”. “O Governo fez tudo ao contrário. Diz que quer combater a precariedade mas não combate”, apontou, calculando que na administração pública “nos últimos anos, o Governo aumentou em cerca de 50% a precariedade do Estado”.

Por sua vez, o Chega, através de André Ventura, criticou que o Executivo esteja a apresentar agora alterações quando ainda “não aplicou” as mudanças à lei laboral de 2019. “É incongruente da sua parte trazer novas alterações quando ainda nem as outras fez. Onde está a taxa de rotatividade? Não está em lado nenhum porque não existe”, frisou.

Ana Mendes Godinho viria a responder que o Governo não avançou nessa taxa, destinada a penalizar as empresas que mais recorrem a contratos a prazo, por causa da pandemia, de forma a não prejudicar mais o tecido empresarial.

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Apesar das duras críticas a algumas das alterações à lei laboral propostas pelo Governo, o Bloco de Esquerda absteve-se na votação na generalidade, esta sexta-feira. O voto do Bloco não era determinante dado que o PS tem maioria absoluta — e votou a favor (foi o único partido a fazê-lo). Por isso, a proposta passou para a especialidade, onde será discutida com os partidos e onde poderão ser feitas eventuais alterações.

Ao lado do Bloco, abstiveram-se o PSD, o Chega, o PAN e o Livre. Já contra estiveram o PCP e a Iniciativa Liberal.

Antes da votação, tanto o PCP como o Bloco expressaram desacordo por a proposta ser votada antes de chegar ao fim o período de consulta pública (termina só dia 22 de julho). A deputada comunista Paula Santos referiu que a “legislação é muito clara relativamente a estas matérias” e que a “votação deve ser posterior” ao fim do período de consulta pública. Pedro Filipe Soares, do Bloco, concordou: permitir a votação das medidas é “inconstitucional”.

O presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, viria a responder que “o entendimento da mesa” é que essa obrigatoriedade de esperar pelo fim da consulta pública “se aplica ao conjunto do processo legislativo”. A proposta do Governo vai agora passar pela especialidade, um processo que pode demorar semanas. Só depois será sujeita a uma votação final global.

Em relação às propostas submetidas pelos partidos, houve várias que o PS deixou baixar à comissão sem votação, do Bloco e do PAN. Os dois partidos tinham apresentado um requerimento para que as suas propostas baixassem à comissão sem votação e os socialistas viabilizaram.

No caso do Bloco, em causa estão propostas que reforçam os mecanismo de combate ao trabalho forçado e outras formas de exploração laboral, que preveem a revogação da presunção legal de aceitação do despedimento por causas objetivas quando o empregador disponibiliza a compensação ao trabalhador, o alargamento da proteção social dos trabalhadores por turnos e noturnos, as 35 horas de trabalho semanal no privado, a reposição das compensações por despedimento para os valores antes da troika, os 25 dias de férias no privado, a reposição da compensação por trabalho suplementar ou a reposição do princípio do tratamento mais favorável.

No caso do PAN, vai ser discutido na especialidade um regime de faltas por dores menstruais, que prevê faltas justificadas a quem se ausente do trabalho “por um período durante o qual não” está capaz “de prestar trabalho nas condições ideais”. Outra proposta prevê medidas de reforço da proteção na parentalidade. Pelo caminho ficaram propostas do PCP para a reposição dos valores de pagamento do trabalho suplementar para todos os trabalhadores ou para a eliminação da caducidade da contratação coletiva, entre outras. O PS chumbou-as logo à partida pelo que não descem à comissão.