Uma proposta controversa do PSD acabou por abrir uma espécie de caixa de Pandora no Parlamento. Depois de os sociais-democratas terem apresentado, pela mão da deputada Márcia Passos, um parecer na Comissão da Transparência que sugeria que Mariana Mortágua deveria devolver retroativamente todo o dinheiro que recebeu, desde 2015, enquanto era comentadora na SIC e ao mesmo tempo deputada em exclusividade, os deputados com assento na comissão contestaram a ideia e acabaram por adotar outra: fazer um levantamento de todos os parlamentares que estiveram na mesma situação nas últimas legislaturas.
A nova proposta, apurou o Observador e escreveu também o Expresso, surgiu na última, e longa, reunião da Comissão da Transparência, esta quarta-feira. E surgiu para provar um ponto: os deputados de várias bancadas querem mostrar que Mortágua não era a única nesta situação até ter havido o entendimento novo, em 2020 que deixou claro que os deputados não podiam acumular estas duas funções (a deputada devolveu o montante que recebeu depois dessa data, alegando que não sabia da decisão mais recente do Parlamento).
E que, por isso, essa seria a “prática” normal, pelo que não faria sentido obrigar especificamente a bloquista a devolver o dinheiro — deputados de várias bancadas poderiam ser abrangidos pela mesma obrigação, se a opinião do PSD vingar. Já os sociais-democratas querem provas de que esta era, de facto, uma prática comum.
De acordo com os relatos feitos por várias fontes presentes na reunião ao Observador, no encontro à porta fechada PS e Bloco de Esquerda manifestaram-se de forma mais veemente contra o parecer do PSD, que contraria um primeiro parecer que a Comissão tinha aprovado em março, tendo Iniciativa Liberal e PCP feito alguns reparos técnicos no mesmo sentido (só o Chega não se pronunciou).
E, com os sociais-democratas a insistirem que, fosse qual fosse o entendimento do Parlamento, a lei já era igual antes de 2020 — e não permite acumular pagamentos por comentário televisivo com o abono que recebem os deputados em exclusividade — pediram que fosse feita uma lista dos parlamentares que estiveram na mesma posição que Mortágua.
O problema a seguir foi balizar esse levantamento: a primeira ideia seria ir até 2001, à aprovação do o Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos, mas a tarefa de aceder a todos os arquivos em questão complicava o assunto; procurar os dados apenas desde 2015, argumentava o Bloco, provaria que tudo não passava de um ataque pessoal contra Mortágua, que passou a ser comentadora nesse ano (fê-lo na SIC entre 2015 e 2019 e depois, de novo, entre 2021 e 2022 durante cinco meses, quando devolveu essa parte do dinheiro); e o consenso acabou por ser fazer um levantamento dos dados desde que há registo informático dos registos de interesses dos deputados, há três legislaturas.
A ideia dos deputados que estão contra o projeto do PSD é simples: provar que antes da tomada de posição do Parlamento, em 2020, havia vários outros deputados que recebiam pelo comentário e estavam em exclusividade — Isabel Moreira deu, durante a reunião, o seu próprio exemplo — pelo que essa era considerada a “prática” normal no Parlamento, que aceitava os registos de interesses sem levantar problemas.
A tentativa é de evitar que todos esses deputados tenham de pagar retroativos, medida considerada desproporcional por várias fontes presentes na reunião — e que poria em xeque outras bancadas –, ou que Mariana Mortágua tenha isoladamente de pagar o montante em causa.
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Fica agora para os serviços do Parlamento a tarefa de fazer esse levantamento, sem prazo definido, e ficou adiada a votação do projeto de parecer que tinha indignado os partidos, que não sabiam do seu conteúdo até terça-feira à noite e garantem que não era esse o entendimento que estava consensualizado na comissão. Até ver, pelas intervenções das bancadas, parece haver maioria para travar o documento quando voltar a ser agendada a votação — mas será preciso esperar pelas conclusões do levantamento para se saber o desfecho desta novela parlamentar.