O primeiro-ministro cabo-verdiano defendeu esta terça-feira a necessidade de transformar a dívida externa do arquipélago em “capital climático”, para financiar a adaptação às alterações no clima, assumindo que já há uma estratégia delineada com o Governo português.

Financiamento climático: está assumido, está escrito, está pouco realizado. E é importante que isso aconteça para que, de facto, os compromissos assumidos possam ter suporte financeiro para a sua realização”, afirmou o primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, no encerramento, na Praia, da reunião dos parlamentares lusófonos pertencentes à União Interparlamentar (UIP).

A UIP, criada em 1889 para promover a integração e a cooperação de parlamentares dos Estados soberanos é a mas antiga organização multilateral, liderada atualmente pelo deputado português Duarte Pacheco, e reuniu o grupo de deputados da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) na Assembleia Nacional, na capital cabo-verdiana, para debater as “Mudanças Climáticas Face aos Desafios Do Desenvolvimento Sustentável” nos últimos dois dias.

Com o arquipélago de Cabo Verde a viver uma seca severa há cerca de quatro anos, ainda a recuperar das consequências económicas da pandemia de Covid-19 e enfrentando agora a escalada de preços, nomeadamente na energia, face à guerra na Ucrânia, Ulisses Correia e Silva explicou que “a transformação da dívida externa em capital climático e capital natural” é uma “ideia interessante” em que Cabo Verde está a trabalhar.

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Isso significa que se nós temos metas de, até 2030, ultrapassar os 50% da penetração de energias renováveis [atualmente cerca de 20%] isso vai pressupor um investimento de 400 milhões de euros. Então, parte desse financiamento pode vir da transformação da dívida para poder fazer investimentos que possam atingir essa finalidade, esse objetivo”, apontou.

“A mesma coisa relativamente a objetivos e metas que possam ter implicações a nível da redução de emissões, objetivos e metas que têm a ver com a proteção dos oceanos, a questão problemática da água. Então esse é o capital climático, o capital natural. E essa substituição da dívida pode provocar esse efeito que nos vai tornar num país muito mais resiliente, porque reduzimos a exposição a choques externos futuros”, disse ainda.

De acordo com o primeiro-ministro de Cabo Verde, o processo para transformar parte da dívida externa em investimento e medidas para mitigar as consequências das alterações climáticas está mais avançado com Portugal, um dos credores do país.

Estamos em negociação já muito avançada com o Governo português relativamente a esta matéria, com uma estratégia bem delineada com documentos de suporte para apoio à decisão e poderá ser um bom instrumento também para convencer outros parceiros, outros credores e para demonstrarmos que podemos, de facto, tornar efetiva esta necessidade de instrumentos para o financiamento climático e, a partir daí, poder alargar para outras modalidades”, disse Ulisses Correia e Silva.

O “stock” da dívida pública cabo-verdiana aumentou para o equivalente a 149% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para 2022 até abril, segundo o mais recente relatório provisório da execução orçamental.

De acordo com o documento, do Ministério das Finanças, o “stock” da dívida pública de Cabo Verde atingiu naquele período os 289.872,8 milhões de escudos (2.658 milhões de euros), um novo valor máximo absoluto, quando em março passado era de 284.282 milhões de escudos (2.571 milhões de euros).

Em termos homólogos, o”stock” da dívida pública cabo-verdiana aumentou ainda 9,6% face aos 264.528 milhões de escudos (2.425 milhões de euros) em abril do ano passado, então equivalente a 146,6% do PIB de 2021.

Em abril passado, a dívida pública contraída internamente valia o equivalente a 45,4% do PIB cabo-verdiano (44,1% em abril de 2021), aumentando para quase 88.368 milhões de escudos (810,5 milhões de euros), enquanto a dívida externa cresceu para 103,6% (102,4% em 2021), quase 201.505 milhões de escudos (1.848 milhões de euros).

Com uma recessão económica de 14,8% em 2020, que reduziu nessa proporção o PIB de Cabo Verde face a 2019, o rácio do ‘stock’ da dívida pública em função do PIB também disparou. Esse rácio ultrapassou pela primeira vez os 100% do PIB em 2013, mas estava em queda na anterior legislatura (2016-2021), até ao início da pandemia de covid-19, sobretudo devido ao crescimento económico do arquipélago, de mais de 5% ao ano, já que continuava a crescer em termos absolutos.

A principal consequência económica da pandemia de Covid-19 em Cabo Verde prende-se com a forte quebra na procura turística desde março de 2020, setor que antes garantia 25% do PIB do país, com a inerente forte quebra de receitas fiscais e consumo.