Após o início da guerra, a Rússia bloqueou portos ucranianos e impediu a exportação de mais de 20 milhões de toneladas de cereais como trigo, milho ou cevada. Praticamente três meses de negociações depois, Kiev e Moscovo assinaram esta sexta-feira acordos individuais com Turquia e Nações Unidas, que ficaram responsáveis por monitorizar o cumprimento do documento.

Moscovo e Kiev estão entre os maiores exportadores de cereais e fertilizantes do mundo. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, em 24 de fevereiro, colocou navios de guerra ao longo da costa ucraniana do Mar Negro. Para deter um possível ataque naval, a Ucrânia colocou minas nas águas. Assim, os portos utilizados para exportar cereais ficaram bloqueados, com o Kremlin a ter sido acusado de roubar esses alimentos e de os transportar para outros locais.

Como os navios russos estarão a transportar cereais roubados à Ucrânia

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Agora, como é que vão funcionar os acordos assinados entre os países e a Turquia e a ONU para a exportação dos cereais? Que riscos acarretam e o que é que a Rússia poderá ganhar com os mesmos?

Como funcionará a operação de exportação de cereais?

Embarcações militares ucranianas vão escoltar os navios para fora dos portos de Odessa, Yuzhne e Chornomorsk. Como explica o The New York Times, os russos e os ucranianos comprometeram-se a manter corredores marítimos no Mar Negro livres de qualquer atividade militar para que os navios consigam sair.

Assim sendo, os navios vão utilizar essas passagens seguras até deixarem águas territoriais ucranianas e chegarem a portos turcos, onde os cereais serão descarregados e enviados para os compradores espalhados um pouco por todo o mundo. Aí, começa a segunda fase da operação.

Devido a uma exigência da Rússia, todos os navios serão inspecionados antes de regressarem a território ucraniano. Uma equipa composta por representantes da Turquia, da ONU, da Ucrânia e da Rússia deve garantir que as embarcações estão vazias e não estão a ser utilizadas para carregar armas para Kiev.

A Turquia teve um papel importante nas negociações do acordo e vai continuar a ajudar a garantir que o mesmo é cumprido. Em Istambul, existirá um centro de coordenação e controlo, dirigido por representantes das quatro partes envolvidas no acordo para monitorizar cada movimento das embarcações.

As quatro partes envolvidas no acordo concordaram ainda que as embarcações e também as instalações portuárias utilizadas para as operações serão protegidas das hostilidades da guerra.

Quando é que começam as exportações?

Nas próximas semanas. Espera-se, segundo o The New York Times, que comecem a ser exportadas à volta de cinco milhões de toneladas de cereais por mês. Assim, três a quatro meses devem ser suficientes para conseguir exportar as 20 milhões de toneladas ainda retidas. Os acordos deverão estar em vigor por quatro meses, mas serão renovados automaticamente.

Acordo para exportar cereais dura 4 meses e tem Istambul como porto de inspeções

Quais são os possíveis riscos?

O The New York Times explica que nenhum cessar-fogo amplo foi negociado e que as negociações de paz também não têm avançado ao longo dos meses. O jornal relembra então que os navios vão viajar por zonas de guerra — embora estejam protegidos pelos termos dos acordos.

Porém, possíveis ataques perto dos navios ou nos portos onde as exportações vão ocorrer podem desfazer os acordos. Outro risco é que possa existir algum desacordo entre as diferentes partes envolvidas nas operações. Ainda assim, é preciso lembrar que a ONU e a Turquia deverão mediar divergências e garantir que os acordos são cumpridos.

O que ganha a Rússia com o acordo?

A Ucrânia é um grande exportador de cereais e fertilizantes. Mas a Rússia não fica atrás e o acordo deverá facilitar a Moscovo a possibilidade de vender esses produtos no mercado mundial. Isto porque o Kremlin afirma que os seus próprios stocks não estavam a ser exportados devido às sanções económicas impostas pelos EUA e pela União Europeia.

O The New York Times explica que empresas como seguradoras ou até mesmo bancos se têm mostrado relutantes em ajudar a Rússia a exportar os seus produtos porque temem incorrer em sanções ou porque receiam que as suas reputações fiquem prejudicadas por ajudarem um país invasor.

Mas, para garantir que as empresas não são punidas se ajudarem a Rússia a exportar cereais, a União Europeia emitiu um esclarecimento legal em que explica que as sanções ocidentais contra Moscovo não incidirão direta ou indireta nos cereais e fertilizantes. Esta foi outra das exigências da Rússia para a assinatura do acordo.

Por sua vez, a ONU afirma que, face a garantias semelhantes dos EUA, manteve conversas com o setor privado e diz que o comércio da Rússia, especialmente através do porto russo de Novorossiysk, deve acelerar as exportações desses mesmos produtos.

Os acordos representam um passo decisivo para o desbloqueio dos portos marítimos da Ucrânia. O The New York Times revela que o fluxo de exportação de trigo para os países que mais precisam dele, como a Somália, deverá aumentar. Os acordos também devem levar a uma diminuição gradual dos preços globais dos cereais. Contudo, o jornal escreve também que é improvável que o mercado volte ao normal imediatamente considerando a fragilidade dos acordos, uma vez que a guerra ainda está a decorrer.