O ambiente no seio da Seleção de judo já não era o melhor há algum tempo, com uma divisão notória entre alguns atletas e técnicos e elementos da Federação, nomeadamente o presidente Jorge Fernandes. Ainda assim, a carta aberta assinada por sete judocas, seis olímpicos e que estiveram na última edição dos Jogos em Tóquio (Telma Monteiro, Catarina Costa, Bárbara Timo, Rochele Nunes, Patrícia Sampaio e Anri Egutidze, a que se juntou Rodrigo Lopes), acabou por adensar essa guerra latente entre as partes.
Atitudes opressivas e discriminatórias, clima tóxico e intimidação foram algumas das críticas feitas pelos judocas à Federação e ao seu responsável máximo, com vários exemplos que explicavam isso mesmo. “Se acontece isso na Federação? Não, claro que não”, respondeu Jorge Fernandes à Rádio Observador ainda antes de ler na íntegra a carta de sete páginas difundida esta quinta-feira pelos atletas.
“Nunca tinham falado comigo sobre isto e todas as semanas e todos os treinos estão comigo, falam comigo ou eu falo com eles sempre bem, sem problema nenhum e para mim isto é uma surpresa mas está bem… Sete atletas também digo que não é representativo dos atletas da Seleção e do judo nacional”, adiantou ainda Jorge Fernandes, antes de comentar de forma isolada várias das críticas que foram feitas.
[Ouça aqui as declarações de Jorge Fernandes à Rádio Observador]
“Fui eu que decidi que o Anri não ia competir? É mentira. Quem diz isso é mentiroso. Ninguém pode saber da conversa a não que esteja a ser gravado. Como é que algum atleta pode dizer o que eu falei com um médico ou não? É mentira, não sabem se eu falei com o médico e como tal não devem falar sobre aquilo que não sabem. Claro que falei com os médicos. Neste caso os médicos do clube, do Benfica, falaram com o médico da Federação e o médico da Federação falou comigo. É mentira que tenha tomado uma decisão sem ouvir ninguém embora pudesse tomar a decisão porque se vejo que o atleta não está em condições para treinar, não treina há três semanas, e quer ir a uma prova de qualificação… A Federação tem dinheiro para gastar assim? Não tem, tem de gerir como deve ser. Os atletas para irem às provas têm de estar em condições físicas e não só. Se não treinam, não podem ir. Não podia comer, não podia engolir, como é que ele podia ir para uma prova? Mas foi o médico que decidiu”, referiu sobre esse caso.
Ele ou eles podem dizer o que quiserem mas sobre isso nem comento. O que posso fazer? Rir-me e achar que é uma anedota, não é mais nada”, destacou Jorge Fernandes sobre a proibição de Anri Egutidze falar georgiano (a sua língua materna) com um outro atleta da Geórgia.
“É mentira, as pessoas são mentirosas e gostava que dissessem isso à minha frente. Eu nunca tinha ouvido falar sobre isso, nunca tinha ouvido falar que tinham dito isso. Não falei nada, não falo nem tenho nada a ver com as entrevistas que dão, isso é um problema deles. Se pudesse e se quisesse, podia dizer muita coisa mas não vou dizer nem a eles nem a ninguém, ficará comigo”, apontou depois sobre a questão da saúde mental abordada a propósito de Bárbara Timo, dando a sua visão sobre a conversa em causa.
“A atleta Bárbara Timo, em frente ao treinador, disse ‘Jorge, eu não venho treinar mais aos estágios em Coimbra, não quero fazer nenhuma competição e quero ir ao Campeonato do Mundo’. Naturalmente, e sem qualquer problema, respondi: ‘Bárbara, tu fazias isso no Brasil?’. E ela disse não. ‘Então aqui também não, para ires ao Campeonato do Mundo vais ter de treinar e vais ter de fazer aquelas competições de preparação para o Campeonato do Mundo’. Mais, até combinei com ela a dizer que se não estava bem podia não treinar durante o mês de julho, agora depois tens de treinar e competir. Foi isto, ficou muito contente de falar comigo. É quando a treinadora dela diz ‘Oh Jorge, mas isto é um caso de saúde, temos que ajudá-la’. E eu disse ‘O que é que se passa?’. E explicou que andava numa consulta de psiquiatria porque estava com uma depressão. Eu fiz uma pergunta: ‘A depressão foi quando chegaste a Portugal ou já tinhas antes?’. Disse que já tinha antes e eu disse que ficava mais descansado porque não tinha nada a ver comigo. E ela ‘Não, não tem nada a ver consigo’. E aquilo passou”, contou o líder federativo.
“Disse aos três, não foi só à Bárbara, que vieram para aqui depois de uma carta que no fundo era parecida a essa que está agora aí a circular. Foram recebidos há três anos de braços abertos, foram a provas sem mínimos e disse que achavam que estavam a ser ingratos connosco, lá nem uma Coca-Cola podiam beber e aqui têm essa liberdade toda, que não estava a perceber essa tomada de posição. Mais: quando a seleção do Brasil esteve a treinar em Coimbra chegaram a vir ter connosco e beberam quatro Coca-Colas para fazer pirraça à seleção do Brasil, dito pela Rochele e pela Bárbara Timo. As afirmações que fazem não são verdadeiras”, acrescentou ainda Jorge Fernandes sobre outra das acusações na carta aberta.
“Não vou reunir com ninguém, vamos seguir o nosso caminho. Fomos eleitos com um programa, os resultados é que mandam sempre as coisas, foram os melhores de sempre no judo. Quando as coisas correm menos bem aos atletas e não só depois precisam de arranjar desculpas. Não sei se é o caso ou não mas não vamos mudar nada. Fomos destacados como uma das federações que melhor lidou com a questão da Covid-19. Mais: não há nenhum sítio para treinarmos, para termos 30 atletas a treinar. Agora, também não aceitamos que sete atletas estejam a ser egoístas porque a Seleção tem 50 ou 70 atletas entre cadetes, juniores, Sub-23 e seniores. E tudo começa porque duas atletas, a Telma Monteiro e a Bárbara Timo, por elas estavam em estágio só lá fora porque cá os nossos atletas não têm nível para elas. Nós, Federação, incluindo os treinador, achamos que não, que devem treinar não só para aumentar o nível dos outros atletas mas também o delas. Claro que têm de fazer estágios lá fora, a Telma teve um estágio em Israel, um no Brasil, um em Alicante, teve dois estágios em Itália e agora diz que pagou em Itália mas não disse nada a ninguém. Desde janeiro até agosto foi isso”, concluiu Jorge Fernandes.