Às portas de Manteigas, o fogo decidiu, esta quinta-feira à tarde, não dar tréguas e, no espaço de minutos, uma coluna de fumo eclodiu de um vale, onde dois helicópteros fizeram descargas consecutivas para travar as chamas.

À entrada de Manteigas, no distrito da Guarda, cerca das 14h00, sobressaiu uma enorme coluna de fumo do interior de um vale, uma das poucas manchas verdes que, na região, ainda resistem às chamas, com algumas casas dispersas pelo meio.

Na pequena zona de lazer, que ali existe, José Pereira, emigrante na Suíça vai para três décadas, parou a sua viatura para assistir às descargas consecutivas que helicópteros faziam, na tentativa de travar a progressão do reacendimento.

Isto parece o inferno. Em tantos anos [64] nunca tinha assistido a nada disto. É uma tristeza”, afirmou à agência Lusa.

Entretanto, passados alguns minutos, um segundo helicóptero juntou-se ao combate, mas a coluna de fumo, essa teimava em ficar cada vez maior.

“Enquanto não destruírem o nosso Portugal, não vão descansar”, desabafou o emigrante, após mais duas ou três descargas feitas pelos dois helicópteros.

Incrédulo com aquilo a que tem assistido durante estes cinco dias de incêndio, José Pereira aponta o dedo à justiça portuguesa.

Os tribunais têm que ter mão pesada nesta gente [incendiários]. São uns assassinos! Apanham-nos e depois deixam-nos ir embora. Não há justiça em Portugal”, sustentou.

Meia hora depois, a coluna de fumo ia tornando-se cada vez maior e os dois helicópteros lá continuaram, teimosamente, descarga após descarga, a tentar travar aquilo que parecia impossível de conseguir, sobretudo, devido ao vento que soprava, por vezes, com grande intensidade.

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José Pereira despediu-se e seguiu o seu caminho em direção a Valhelhas, pois, na segunda-feira, regressa à Suíça.

No mesmo local, vários condutores que circulavam pela Estrada Nacional 232, quer no sentido de Manteigas, quer no de Valhelhas, pararam para assistir ao combate às chamas.

António Luís, um contabilista de 45 anos, que veio passar uns dias de férias à Serra da Estrela, olhava com resignação para o vale cheio de fumo.

Com este vento não sei vão conseguir acabar com isto [incêndio]”, desabafou.

Instalado numa unidade hoteleira da Covilhã, com a mulher e o filho, o contabilista, natural de Setúbal, disse que há muito tempo tinha planeado fazer férias na serra. Com a pandemia pelo meio, mas “só este ano” teve “hipótese de vir. E foi preciso ter azar e apanhar com isto pelo meio”, lamentou.

É uma pena aquilo que está a acontecer aqui. A serra vai levar décadas a recuperar disto e vocês [habitantes da região] vão sofrer as consequências. Depois deste incêndio, ninguém vai querer vir para a Serra da Estrela. Está tudo queimado”, concluiu.

Passadas quase duas horas, os helicópteros continuavam a sua labuta, fazendo descarga após descarga. A coluna de fumo, essa não dava sinal de querer desaparecer.

Maria de Jesus Martins, uma técnica de análises clínicas reformada, parou a sua viatura por curiosidade ao ver os helicópteros.

“Estou a fazer tempo para ir a um funeral aqui em Manteigas. Só comparo este incêndio com os da Amazónia. Este era o nosso pulmão, onde havia ar puro. Tínhamos a liberdade de pegar nas coisas e ir para o Vale das Éguas ou para a Torre. Agora, isso acabou”, vaticinou.

Esta septuagenária, que trabalhou cerca de 30 anos no Hospital da Guarda, não tem dúvidas de que a região vai ficar ainda mais pobre.

“Ouvi dizer que já há gente a fazer desistências do hotel que está no antigo sanatório [nas Penhas da Saúde]. Isto cada vez fica mais pobre. Acabaram com as fábricas aqui [em Manteigas]. Agora, as pessoas viviam do turismo ou da agricultura. Com isto tudo, ficam mais pobres”, concluiu.