A energia libertada no incêndio na Serra da Estrela corresponde a 25 bombas de Hiroshima, comparou Miguel Cruz, comandante adjunto de operações na Autoridade Nacional de Proteção Civil, em conferência de imprensa.
“Para se ter noção da potência de um incêndio como este, o total de energia libertado ao longo do tempo foi de 766 terajoules“, informou o perito. Depois de o incêndio que durou uma semana ter sido dado como dominado esta sexta-feira à noite, a Proteção Civil está a realizar um novo ponto da situação sobre os trabalhos do escaldo onde estão ainda 1.465 operacionais.
Questionado sobre o que significa a intensidade de energia referida, Miguel Cruz remeteu para a bomba de Hiroshima — lançada pelos Estados Unidos no Japão na II Guerra Mundial — que tinha cerca de 30 terajoules de energia. “Portanto, são 25 bombas de Hiroshima em termos da energia total libertada“, concluiu o comandante. O dia mais intenso foi o 10 de agosto, em que se libertaram 242 terajoules de energia. São oito bombas de Hiroshima em 24 horas.
É um valor muito elevado, sobretudo pela quantidade de combustível disponível para arder, conjugado com as condições meteorológicas, nomeadamente a ocorrência de forte instabilidade que se verifica na atmosfera e que originou aquelas grandes nuvens que fomos vendo ao longo dos dias”, admitiu Miguel Cruz, acrescentando que “as condições meteorológicas nestas circunstâncias são o grande motor dos incêndios”.
De acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, a energia libertada pelos incêndios é calculada com base nos dados de potência radiativa — a grandeza que determina a quantidade de energia concedida por uma fonte por unidade de tempo — captados por um sensor a bordo dos satélites METEOSAT.
O comandante avançou ainda que os dados recolhidos pelo satélite Copérnico comprovam que há uma área ardida de 14.757 hectares na Serra da Estrela e que o incêndio deverá ser considerado extinto num prazo de dois dias. O incêndio começou a lavrar na madrugada de sexta-feira para sábado e foi dado como dominado às 23h36 de sexta-feira — uma semana depois. Neste momento “mantém-se o trabalho de rescaldo e vigilância ativa do perímetro”, com atenção redobrada durante a tarde por causa do aumento da temperatura e da intensificação do vento.
A área ardida está neste momento a ser sobrevoada por um avião equipado com câmaras térmicas para detetar quaisquer pontos quentes que possam indiciar uma reativação. Mas a noite foi “tranquila” e as reativações, além de serem de pequena escala, apenas se confirmaram nas zonas mais interiores da zona afetada. Atualmente, há 1.465 operacionais, 433 veículos e cinco meios aéreos na Serra da Estrela. Nos esforços participaram também 16 máquinas de rasto.
Ao longo dos sete dias de combate ao incêndio, que atingiu a Guarda e Castelo Branco, seis pessoas precisaram de assistência — um militar da Guarda Nacional Republicana (GNR), quatro bombeiros e um civil. Cinco pessoas ficaram gravemente feridas, mas quatro já estão em casa e uma continua a recuperar favoravelmente no hospital. Houve ainda 16 feridos leves (13 bombeiros e três elementos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) e 126 pessoas deslocadas, todas retiradas da vila de Linhares.
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Área afetada é “muito sensível”, mas primeira medida é deixar espécies recuperar por si
O diretor regional adjunto do Centro do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), Elmano Silva, assumiu que a “prioridade” pós-incêndio na Serra da Estrela será a recuperação do ecossistema do Parque Natural. “A área afetada é, para o parque, uma área muito sensível e, obviamente, tem prejuízos (…). A recuperação irá iniciar-se agora. Os trabalhos técnicos de levantamento, de maior severidade, são prioridade do instituto e é um trabalho que já se começou”.
Elmano Silva explicou aos jornalistas que “a primeira medida que se faz de recuperação é mesmo deixar as espécies e a área afetada recuperar por si próprias”, mas, acrescentou que “o conhecimento técnico permite também acelerar essa recuperação”. “E é nisso que o instituto irá focar toda a sua atenção para essa recuperação”, apontou este responsável, que adiantou que “a prioridade máxima” é a “da severidade dos solos que é a base de toda a sustentação do ecossistema”.
“Em relação à água, é sempre uma perturbação que é colocada neste processo, mas também há medidas de mitigação que, tecnicamente, estão pensadas para, envolvendo o solo, canalizar e ajudar neste processo de recuperação do ecossistema que irá ocorrer nas próximas semanas”, reconheceu.
Presente na conferência de imprensa conjunta, o vice-presidente da Câmara Municipal da Covilhã, José Serra dos Reis, disse que o Parque Natural “não está risco, como também não está em risco o geoparque” situado no concelho. “O parque continua com uma área muito significativa para ser ‘vendido’ como marca turística. Houve, de facto, uma área afetada, mas nós iremos trabalhar e deixá-la melhorada. Há espécies que demoram algum tempo a repor, mas há técnicas e fórmulas de requalificar na reabilitação das áreas ardidas”, assumiu.
José Serra dos Reis contou ainda que “foram referenciadas 67 ocorrências” de incêndio no concelho da Covilhã, o que faz com que seja “o ano de mais ocorrências” “Também não é nada normal”, no mesmo sítio, em Vila do Carvalho, “terem acontecido sete ocorrências”, referiu ainda. “Depreendo, atendendo ao número de ocorrências no mesmo local, que alguém está a fazer mal deliberado, ou por doença, enfim, tudo poderá acontecer. Mas estamos a investigar e as forças policiais, a quem compete fazer este trabalho, estão já a trabalhar no terreno”, o autarca referindo-se à GNR e Polícia Judiciária.
José Armando Serra dos Reis prometeu que a área ardida iria ser restituída. “Vamos trabalhar numa reabilitação da área ardida, de modo original, pensando já em repor a floresta no futuro”, garantiu o autarca. Segundo a Proteção Civil, quatro dependências agrícolas, dois veículos, e duas segundas habitações foram afetadas pelo incêndio, assim como alguns edifícios devolutos desconhecidos.
O comandante Pedro Araújo, da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), confirmou na sexta-feira que o incêndio na Serra da Estrela foi dominado durante a noite. Mas já tinha avisado que “os trabalhos vão manter-se seguramente ao longo dos próximos dias para evitar qualquer reacendimento”. O incêndio deflagrou na madrugada do dia 6 de agosto em Garrocho, no concelho da Covilhã, no distrito de Castelo Branco. As chamas vieram a atingir os municípios de Manteigas, Gouveia, Guarda e Celorico da Beira.
Entretanto, Maria do Céu Antunes, ministra da Agricultura e da Alimentação, anunciou que o Governo fechou na sexta-feira um despacho que atribui 500 mil euros aos agricultores para fazer face às zonas afetadas pelos incêndios. A governante falava aos jornalistas à margem da Expo Moncorvo este sábado: “Com base nisso, poderemos verdadeiramente ajudar na alimentação animal”.
Incêndios. PM diz que fogo na Serra da Estrela deve ser estudado após terminar
Ainda na sexta-feira, quando incêndio ainda não estava dominado, o primeiro-ministro António Costa defendeu que, quando o fogo da serra da Estrela terminar, deve ser estudado “em pormenor” o que é que poderia ter sido eventualmente feito para evitar que o fogo ganhasse a escala que acabou por adquirir.
Quando ele terminar, poderemos estudar, e merece ser estudada em pormenor, o que é que foi acontecendo ao longo da fita do tempo e que podia ter acontecido de uma forma diferente, ou não, para evitar que o incêndio ganhasse esta escala”, declarou António Costa aos jornalistas.