A Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal (ASFIC) da Polícia Judiciária (PJ) manifestou esta terça-feira “o seu mais veemente repúdio” pela retirada do Gabinete Nacional Interpol e da Unidade Nacional Europol da alçada da PJ.
A ASFIC/PJ diz, em comunicado, aguardar uma tomada de posição da ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, e da Direção Nacional da Polícia Judiciária.
A associação sindical refere que tomou conhecimento de que o Governo, através de proposta de lei, pretende proceder à restruturação do Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional, alegando na exposição de motivos do diploma que este visa a “efetiva integração da Unidade Nacional da Europol e do Gabinete Nacional da Interpol no seu seio”.
O Governo alega que tal alteração decorre de uma exigência ao nível europeu, mas a ASFIC/PJ contrapõe que tal “não se compreende já que a segurança interna e nacional em matéria de organização é da competência exclusiva dos Estados-membros” da União Europeia.
Desde 2016 que a ASFIC/PJ e outros sindicatos ligados à Justiça, nomeadamente, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) manifestaram publicamente a sua oposição à retirada da competência de assegurar o funcionamento da Europol e da Interpol à PJ”, recorda a associação sindical.
Para a ASFIC, a centralização de todos os gabinetes e canais de cooperação internacional, que abrangem “matérias sensíveis”, numa estrutura equivalente a uma secretaria de estado e que depende diretamente do executivo é “um caminho perigoso e a evitar”, na medida em que “a informação que é obtida, veiculada e tratada vai para além da informação policial administrativa, tendo caráter sigiloso e reservado por ter origem em investigações criminais em curso da competência reservada da PJ e, em regra, em regime de segredo de justiça”.
A ASFIC considera que “existiam e existem outras alternativas” e que “esta alteração não resulta de uma incapacidade ou incompetência da PJ” na realização das competências que lhe estavam atribuídas pela Lei de Organização da Investigação criminal (LOIC)
“Trata-se, sem margem para qualquer dúvida, de uma decisão exclusivamente política de matriz securitária”, enfatiza a ASFIC, que defende que o intercâmbio internacional de informações entre serviços de polícia devia, “permanecer na PJ, polícia de investigação criminal por excelência, o que aliás, é preconizado na nova diretiva sobre esta matéria que está a ser preparada a nível europeu”.
Por outro lado — adianta a ASFIC — em momento algum é assegurado expressamente no articulado da proposta do governo que a efetiva passagem destas valências venham a ser exclusivamente chefiadas ou coordenadas por funcionários da investigação criminal da PJ, “abrindo a porta a outros intervenientes”, o que, realça, “é, de todo, incompreensível e inaceitável”.
A ASFIC critica também o Governo por “aproveitar o ensejo em plena `silly season´ para consagrar o reforço político da figura do Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna (SG-SSI), uma espécie de ministro Justiça e Assuntos Internos, ao atribuir ao titular deste cargo o direito de audição, ou seja, de interferir na nomeação dos dirigentes máximos das forças e serviços de segurança que dependem hierarquicamente dos respetivos ministros, com o pretexto de que encontra justificação no exercício das suas competências de coordenação, direção, controlo e comando operacional”.
Perante a existência de “tantos e vários problemas por resolver, e relacionados por exemplo com a anunciada e adiada extinção do SEF ou a inoperabilidade do PIIC/Plataforma de interoperabilidade de investigação criminal (O Google dos sistemas de informações das Polícias) ou as violações constantes da LOIC, a ASFIC questiona o Governo sobre “em que momento o Gabinete Nacional da Interpol ou da Europol incumpriram as sua atribuições ou sobre se houve prejuízo para a segurança interna?”.
Os dirigentes máximos dos referidos gabinetes não cumpriram com o dever de colaboração que lhes é imposto nas suas relações institucionais com o SG-SSI que justifique esta alteração? Que garantia existe de que, sendo ouvido no processo de nomeação dos diretores das polícias, as competências de coordenação, direção, controlo e comando operacional irão melhorar? Que garantia existe que o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna não vai ter acesso a informações protegidas pelo segredo de justiça?”, são outras questões levantadas pela ASFIC.
A associação sindical pretende ainda saber “de que forma um diretor de uma polícia se vai articular com o ministro do qual depende hierarquicamente e questiona qual será a próxima competência a retirar à PJ”.
“Não podemos deixar de repudiar veementemente o teor desta proposta de lei, sem qualquer justificação prática e que não acautela a separação sempre de salutar entre a Justiça e a Segurança”, conclui a ASFIC.
Também esta terça-feira, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), Adão Carvalho, manifestou, em declarações à agência Lusa, preocupação face à proposta do Governo de transferir os gabinetes da Interpol e Europol para uma entidade que “está na dependência direta do executivo”.
“A nossa preocupação tem a ver com a natureza da entidade (Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional), que é uma entidade que está na dependência direta do executivo”, disse o presidente do SMMP, a propósito da proposta do Governo.
A Europol, na esfera europeia, e a Interpol, no âmbito mundial, são estruturas que fornecem informações de natureza criminal para as diversas polícias, numa cooperação destinada a combater vários tipos de criminalidade, incluindo tráfico de estupefacientes, fraude bancária, branqueamento de capitais e tráfico de armas.