Criada em 2005 pelo trio formado por Alexandre Astier, Alain Kapauff e Jean-Yves Robin, “Kaamelott” é uma série de televisão cómica passada no tempo do rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda, foi emitida até 2009 e transformou-se numa das mais populares da história da televisão francesa (está inédita em Portugal, mas pode ser vista na íntegra no YouTube). Com exceção da última temporada, formada por nove episódios de 40 minutos, cada episódio de “Kaamelott” tinha apenas entre três minutos e meio e sete minutos de duração, um formato que também contribuiu para o seu sucesso e permitiu ser feita com um pequeno orçamento. (Corruptela de “Camelot”, “Kaamelott” remete também para a palavra francesa “camelote”, que significa fancaria, velharia sem valor).

[Veja a primeira temporada de “Kaamelott”:]

O registo de “Kaamelott” foi evoluindo com o tempo, tendo passado de abertamente gozão e “nonsense” (a referência óbvia dos seus criadores – com a devida distância — é “Monty Python e o Cálice Sagrado”, de Terry Gilliam e Terry Jones) para a comédia dramática de aventuras, mantendo sempre a devida contextualização histórico-mitológica. A personagem do rei Artur, interpretada por Alexandre Astier, foi também mudando, passando de trapalhão e incompetente para uma figura um pouco mais séria, que procura instaurar em Kaamelott uma monarquia de carácter moderno, intenção constantemente frustrada quer pelas suas próprias insuficiências, quer pela estupidez militante daqueles que o rodeiam.

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[Veja o “trailer” de “Kaamelott: O Primeiro Capítulo”:]

Tendo em conta o colossal sucesso da série na televisão, o passo seguinte de Alexandre Astier seria, naturalmente, transportá-la para o cinema. Este “Kaamelott: O Primeiro Capítulo”, é o filme de abertura de uma trilogia e passa-se 10 anos após o final da última temporada da série. Dado que “Kaamelott” nunca foi exibida em Portugal, os espectadores irão estranhá-lo, porque vão cair no meio de uma história com muitos antecedentes e que está em pleno andamento. O que nos leva a questionar se faz algum sentido estrear filmes como este, que tem atrás de si uma longa vida como série televisiva inédita no nosso país e não pode ser visto autonomamente desta.

[Veja uma cena do filme:]

“Kaamelott: O Primeiro Capítulo”, conta o regresso do rei Artur a Kaamelott, após ter renunciado ao trono e deixado o governo do reino nas mãos de Lancelot, que se transformou num tirano. Artur procura então voltar a juntar os cavaleiros da Távola Redonda, que se espalharam aos quatro ventos, e reconquistar o poder, com a ajuda da resistência – literalmente — “underground” àquele. Alexandre Astier deu um passo maior do que a perna com este filme, que mostra como estão longe os tempos modestos da série e da comédia em cápsulas que a celebrizou, em que as personagens do universo arturiano se exprimiam num francês coloquial contemporâneo, o que só por si era metade da piada de “Kaamelott”.

Mesmo para quem conhece a série, o enredo de “Kamelott: O Primeiro Capítulo” é complicadíssimo, os “flashbacks” para a infância de Artur ainda pioram as coisas e o filme tem tempo a mais porque há muito a explicar (confusamente). O tom oscila entre a comédia “nonsense” minguada e uma seriedade que pretende, sem sucesso, aproximá-lo de obras como “Excalibur”, de John Boorman, numa coexistência desconfortável e forçada, como se tivessem juntado dois filmes sobre o mesmo tema mas com registos opostos num só. E a presença de nomes como Christian Clavier, Sting (no chefe saxão Horsa) ou Alain Chabat não adiantam nada ao empreendimento. Por todas as razões aduzidas e mais algumas, dispensamos os dois próximos capítulos. (Mesmo se fizermos uma maratona da série no YouTube.)