Existem dois tipos de filme na subcategoria “terror animal”. Aqueles em que os humanos são atacados por animais mutantes (o crocodilo gigante de “A Fera”, de Lewis Teague), aberrantes ou doentes (veja-se “Cujo”, do mesmo Lewis Teague); e aqueles em que são atacados por animais que se querem vingar de algo que os humanos lhes fizeram (recorde-se “Orca”, de Michael Anderson), ou simplesmente porque são ferozes (como em “Tubarão”, de Steven Spielberg). “A Besta”, uma série B do islandês Baltasar Kormákur, encaixa-se nesta última modalidade, e diga-se já que não tem praticamente nada que o distinga de muitas outras fitas na mesma linha, apesar da presença de Idris Elba no principal papel.
Elba interpreta Nate Samuels, um médico que enviuvou recentemente e vai com as duas filhas adolescentes passar férias à África do Sul (de onde a mulher era natural), na reserva de animais selvagens dirigida por um velho amigo, Martin (Sharlto Copley). Nate, Martin e as duas jovens saem uma manhã para dar um passeio de jipe, e depois de descobrirem uma aldeia em que a maior parte dos habitantes foi morta por um feroz leão cujo grupo foi massacrado na noite anterior por caçadores furtivos, passam a ser eles o alvo da fúria cega do dito. E como se poderia esperar, não há sinal de telemóvel na área, o rádio também não funciona e a única arma disponível é uma espingarda que dispara dardos sedativos.
[Veja o “trailer” de “A Besta”:]
“A Besta” contempla, preguiçosa e metodicamente, todos os lugares-comuns, situações feitas, ganchos emocionais e sustos prontos-a-sobressaltar deste tipo de produções, e o argumento até tem espaço para acomodar um bocadinho de terapia familiar (uma das filhas de Nate nunca perdoou ao pai ter saído de casa pouco antes da mãe ter descoberto o cancro que a matou) entre dois ataques da fera. Tudo o que adivinhamos que vai acontecer, acontece mesmo, desde a aparição dos ditos caçadores furtivos à morte de um dos membros do quarteto de protagonistas, e as interpretações resumem-se a dois registos: “incrédulo” (de onde raio saiu este leão?) e “aterrorizado” (fujam, que o leão vem aí!). É de bocejar sonoramente, e o filme até tem só 93 minutos.
[Veja uma cena do filme:]
No clímax, e para desviar o leão das filhas, Nate chama-o a si e foge, e quando o animal o alcança, defende-se a murro, numa sequência que, por estar no “trailer”, tornou-se viral na Net e levou muita gente (incluindo bastantes críticos) a celebrar “A Besta” como “o filme em que Idris Elba esmurra um leão”. Ora não só o dito leão é digital, como também é demais pedir ao espectador que acredite que uma pessoa (mesmo que interpretada por uma vedeta como Elba) pode andar ao murro com um leão enfurecido com 250 quilos de peso e sobreviver. A revista “Slate” deu-se ao trabalho de ir ouvir zoólogos sobre a cena e teve respostas como esta: “Perder um braço seria um resultado feliz após esmurrar um leão no focinho.”
Quem quiser ver um filme decente sobre leões assassinos, e baseado em factos reais, fará bem melhor em procurar “Caçadores na Noite”, de Stephen Hopkins (1996), passado na África de finais do século XIX. Michael Douglas e Val Kilmer são dois engenheiros que perseguem um par de leões ferocíssimos e quase sobrenaturalmente esquivos, que andam a atacar e matar os trabalhadores que constroem uma linha de caminho de ferro através da savana. As duas personagens nunca largam as suas potentes espingardas, os leões são de carne e osso e não há cenas ridículas de pugilato homem-felino.