Um novo acordo nuclear com o Irão está cada dia mais próximo, mas analistas e observadores temem que o levantamento de sanções a Teerão permita à sua aliada Rússia contornar o embargo ocidental ao petróleo russo.
As negociações em Viena para restabelecer o acordo nuclear com o Irão estão numa fase avançada, apesar das resistências de Teerão às exigências de restrições e monitorização do seu programa atómico, com sinais fortes de que os Estados Unidos podem regressar ao tratado, depois do seu abandono unilateral em 2018.
Mas, nas últimas semanas, entre os observadores e analistas ocidentais aumentaram os receios de que algumas cedências iranianas nas negociações em Viena estejam a ser influenciadas pela pressão de Moscovo, que vê no levantamento de sanções a Teerão uma oportunidade de contornar o embargo às suas vendas de petróleo, imposto por causa da invasão da Ucrânia.
Nas negociações em Viena, uma das contrapartidas exigidas por Teerão para abrandar o seu programa nuclear é o levantamento das sanções económicas, em particular as sanções energéticas, aplicadas nos últimos anos por Washington.
As potências ocidentais envolvidas no acordo – Alemanha, Estados Unidos, França, Reino Unido e União Europeia — admitem esse levantamento de sanções, mas começam a temer que essa medida permita a Teerão ajudar Moscovo a escoar as suas reservas de petróleo embargadas.
“É significativo que Teerão, nas últimas semanas, tenha abandonado a exigência de levantamento de sanções à Guarda Revolucionária, insistindo apenas no levantamento das sanções energéticas”, disse à Lusa Louis Macé, investigador de Estudos Árabes na Universidade de Paris.
A tese de Macé, partilhada por vários observadores ocidentais, é a de que a Rússia (que, juntamente com a China, completa o leque de parceiros do acordo nuclear com o Irão) esteja a pressionar Teerão a comprometer-se com um novo acordo, em troca de levantamento das sanções económicas.
Em junho e julho, vários altos diplomatas iranianos deslocaram-se a Moscovo, para reunir com o Kremlin, levando na agenda as negociações para o acordo nuclear, bem como as trocas comerciais entre os dois países.
O Irão poderia comprar petróleo russo e depois vendê-lo como parte dos seus próprios pacotes energéticos, para os quais não faltam compradores, quer no Ocidente quer na Ásia.
Moscovo sempre foi favorável a um acordo nuclear com o Irão, que impedisse este país de desenvolver uma arma nuclear, mas desde o embargo ao petróleo russo que o Kremlin tem feito mais pressão para que o tratado de 2015 seja retomado, colocando-se ao lado de Teerão na defesa do levantamento das sanções económicas como condição ‘sine qua non’.
“O que sabemos é que há planos de aumento de compra de petróleo russo por parte do Irão, com o argumento da necessidade de compensar os efeitos das sanções ocidentais nas suas infraestruturas petrolíferas”, explicou Louis Macé.
Teerão já deixou cair a exigência de que os Estados Unidos retirem a designação de organização terrorista à sua Guarda Revolucionária e já aceitou que especialistas da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) monitorizem de perto o programa de enriquecimento de urânio, insistindo agora apenas no levantamento das sanções económicas, em particular as energéticas.
O Governo do Presidente norte-americano, Joe Biden, tem-se mostrado recetivo às cedências iranianas, mas, no Congresso, tem subido de tom a contestação a um novo acordo por parte do Partido Republicano, que teme que o levantamento de sanções a Teerão permita ao regime iraniano retomar o financiamento de várias organizações terroristas a operar no Médio Oriente.
Por outro lado, a proximidade de Teerão a Moscovo, no âmbito da guerra na Ucrânia, levanta ainda mais suspeições aos adversários de um regresso ao acordo nuclear que não coloque “rédea curta” às capacidades de financiamento do Irão, bem como limitações à sua capacidade de cooperação com a Rússia.
Em março, a Rússia tinha bloqueado um quase acordo, redigido pelo chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, com base em argumentos que estavam sobretudo ligados às posições ocidentais sobre a invasão da Ucrânia.
Mas nos últimos meses, após as visitas de altos diplomatas iranianos a Moscovo, onde foi discutida a compra intensiva de petróleo russo por Teerão, o Kremlin passou a ser um dos interlocutores mais entusiastas de um novo acordo nuclear com o Irão.
Nos últimos dias, perante as suspeições do Ocidente sobre um plano encoberto entre Teerão e Moscovo, os diplomatas iranianos nas negociações em Viena têm recuado na intenção de assinarem um novo acordo.
Na quarta-feira passada, durante mais uma visita a Moscovo onde se encontrou com o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, o chefe da diplomacia iraniana, Hossein Amir-Abdollahian, disse que o seu país precisava de garantias mais fortes por parte de Washington, avançando que estava a “rever cautelosamente” a resposta de Washington à proposta desenhada pela União Europeia.
A declaração está a ser lida como a resposta de Teerão a uma pressão do Kremlin para obrigar os Estados Unidos a uma retirada rápida de sanções como condição para retomar o acordo nuclear.
“Moscovo precisa de contornar o embargo ao seu petróleo. Mas também precisa que este plano seja rápido, tendo em conta que o embargo imposto por Bruxelas começa já em dezembro”, lembra Macé.