Manel de Águas tem de 25 anos, um passado ligado ao mundo das artes, particularmente à fotografia e à música, e por onde quer que passe chama a atenção. E não é pelo seu passado profissional, mas sim pelo que parecem ser duas novas “orelhas” na cabeça. Manel é, nas suas palavras, transespécie e ciborgue.

Dito de outro modo, Manel não se identifica a 100% com a espécie humana. Como tal, dedicou a sua vida àquilo que chama de Projeto Ciborgue, que, como o nome indica, visa ir além dos limites do corpo humano. Para isso, submeteu-se a uma intervenção cirúrgica que lhe implantou duas aletas diretamente no crânio, com a ajuda de “um metal entre a pele e o osso”, como conta ao El Español.

O processo para conseguir este aumento tecnológico não foi fácil. Manel descreve a resistência de profissionais espanhóis, que não o quiseram operar por medo dos riscos que o procedimento poderia trazer para o seu corpo, bem como os danos reputacionais às suas carreiras. Intrépido, o jovem viajou até ao Japão, “um país pioneiro na modificação corporal”, e submeteu-se à cirurgia.

Mas desengane-se quem pensa que as protuberâncias têm um valor meramente estético. “Consigo ouvir a humidade, a pressão atmosférica e a temperatura. É um órgão que me permite a exploração da atmosfera através do som, e o conhecimento do terreno circundante através de um órgão cibernético”.

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Manel admite que a vida como transespécie nem sempre é fácil. Além da falta de um enquadramento médico-legal que abranja este tipo de pessoas, sente-se também discriminado a vários níveis (por exemplo no mercado de trabalho). Com efeito, dentro em breve terá de renovar o seu DNI (o equivalente espanhol do cartão de cidadão) — uma situação que, já sabe de antemão, lhe trará problemas, já que é proibido concluir o processo com acessórios e aparelhos eletrónicos. “O problema é que isto não é um acessório” diz, “é um órgão”.

Transhumanismo e o caso de Neil Harbisson

O caso de Manel de Águas não é único, nem tampouco o mais famoso. Em 2004, Neil Harbisson tornou-se o primeiro ciborgue-cidadão legalmente reconhecido quando, no Reino Unido, lhe foi permitido que usasse a sua antena na fotografia do passaporte. A antena funciona enviando vibrações, que lhe permitem, entre outras coisas, ouvir música e receber chamadas telefónicas, imagens e sons diretamente para o seu cérebro.

Esta é, de momento, uma área muito pouco estudada pela ciência. Médicos e psicólogos não dispõem de informação suficiente para perceber se estamos perante um distúrbio mental, ou algo mais complexo. Certo é que há quem acredite que o transhumanismo —  corrente filosófica, intelectual e científica do início do século XX, que defende a evolução da humanidade para lá dos seus limites naturais graças à ciência e tecnologia, e onde o conceito de transespécie se pode entroncar — é o futuro da espécie humana. Ou seja, daqui a não muito tempo podemos olhar para este tipo de “aumentos tecnológicos” ao nosso corpo como algo normal. Quanto a Manel, diz sentir-se feliz e contar com o apoio de familiares e amigos.