Um teste, outro teste, mais um teste. Quando o caminho do futebol do Sporting parecia estar a atingir um ponto de maturidade na terceira época com Rúben Amorim desde início (esteve antes alguns meses quase em “adaptação” com a pandemia pelo meio em 2019/20), uma série de acontecimentos foram colocando obstáculos à partida pouco esperados nesta fase. Primeiro, jogar o clássico no Dragão sem Matheus após uma venda inesperada na ótica do treinador – que falhou . Depois, superar na Amoreira o momento mais conturbado em Alvalade na sequência da derrota caseira frente ao Desp. Chaves – que conseguiu. O próximo capítulo passava pela estreia na Liga dos Campeões. Nem tanto pelo encontro em si, neste caso com o Eintracht em Frankfurt, mas pela perceção do que tinha ou não ficado da experiência de 2021/22.

Sporting vence Eintracht em Frankfurt com três golos em 17 minutos e começa da melhor forma Liga dos Campeões

Puxando um pouco o filme atrás, a versão Amorim na Champions foi feita de degrau em degrau. Começou em baixo com uma derrocada total em casa com o Ajax, subiu um pouco apesar da derrota em Dortmund, ascendeu muito com as duas goleadas frente ao Besiktas, teve o ponto alto com o triunfo caseiro diante dos alemães que permitiu o segundo apuramento da história para os oitavos, terminou logo nessa fase depois de uma partida atípica com o Manchester City em Alvalade. Era nesse ponto que os leões estavam: uma equipa que melhorou mesmo não tendo armas para rivalizar com os tubarões europeus e que pelo meio teve a capacidade de conquistar os adeptos que estiveram largos minutos em cânticos a apoiar os jogadores mesmo com o 0-5 cravado no resultado. Agora, seria o ano 2; afinal, passou a ano entre 0 e 1.

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A defesa fez o trajeto natural com a partida de Feddal, a permanência de Porro e a contratação de St. Juste para oferecer à equipa o que faltava: um central mais rápido, com melhor saída de bola e capaz de fazer a diferença nas bolas paradas. O ataque fez o trajeto possível com as saídas de Pablo Sarabia e Slimani e as chegadas de Francisco Trincão, Rochinha e Arthur: perdeu experiência, golo e maior presença na área, procurou velocidade, mobilidade e jogo em espaços curtos. O meio-campo fez o trajeto arriscado, com as vendas de Palhinha e Matheus Nunes e as chegadas de Alexandropoulos e Morita. É aqui que entronca por ora o problema, era aqui que recaíam as atenções também pela forma de jogar dos germânicos.

“Foi uma boa semana de trabalho, ganhámos e jogámos bem na partida anterior. Fizemos coisas que já tínhamos conseguido noutros jogos mas marcámos golos. Melhorámos defensivamente também mas ainda há coisas por melhorar aqui. O Eintracht tem muita qualidade técnica. Se partirmos o jogo todo de cima a baixo será difícil acompanhar o ritmo, pois a liga alemã tem muito ritmo. Ficámos sem Palhinha e Matheus, jogamos de forma diferente, e temos de ter atenção em não partir o jogo durante muito tempo nos 90 minutos. Eles têm jogadores de muita qualidade, rápidos, que se tiverem espaço vão criar dificuldades. Vamos fazer um pouco o que fizemos contra o Besiktas mas entrando de forma diferente. Temos de ter bola no início do jogo”, resumira Rúben Amorim sobre a estratégia para o jogo.

Eram quase duas realidades paralelas que se cruzavam. Por um lado, a adaptação da equipa a um novo corredor central que perdeu poder de recuperação, de chegar a segundas bolas, de lutar no jogo aéreo e de ter verticalidade nas ações ofensivas mas tentava fazer prevalecer um maior critério na primeira fase de construção, mais segurança na circulação e ocupação de outras zonas nas chegadas ao último terço. Por outro, a necessidade de gerir os momentos deste jogo em específico com o Eintracht, equipa que não está ao nível daquela que ganhou a última Liga Europa mas que entra numa zona de conforto quando pode partir o encontro para explorar as transições onde faz a diferença (até porque sem isso as dificuldades na organização defensiva ficam bem mais latentes, como mostraram Bayern e Werder Bremen).

A estratégia nem sempre foi interpretada da forma desejada mas resultou na perfeição. Ugarte foi o rei dos duelos ganhos (muitos deles no meio-campo contrário) mesmo falhando mais passes do que é normal. Morita teve menos jogo do que queria mas apareceu de forma determinante em terrenos que não costuma pisar para fazer a diferença nos dois primeiros golos. Depois, houve Edwards. Muito Edwards. Um Edwards que marcou, assistiu, manteve-se fiel àquele estilo muito próprio de jogar que parece desligado e alheado da importância do que está em causa e deu expressão à forma de atacar sem uma referência mais fixa que o Sporting interpreta e materializou mais uma lição tática de Rúben Amorim, que aprendeu com os erros da última época, soube disfarçar lacunas e fez história com a primeira vitória de sempre do conjunto verde e branco em 15 deslocações à Alemanha (antes levava um empate e 13 derrotas).

O encontro começou com a tal tentativa de ter mais bola e colocar “gelo” no jogo por parte do Sporting mas a seguir aos cerca de 90 segundos de circulação bastou um erro para nascer a primeira oportunidade da partida: Ugarte recuperou uma bola a meio-campo, não encontrou linhas de passes, tentou o atraso de 50 metros para Adán que se transformou numa assistência para Kolo Muani mas o guarda-redes espanhol travou com grande mérito o remate isolado do francês (2′). Um mau início de Ugarte, um mau início de Morita, com amarelo logo a abrir na primeira falta dos leões (5′). No entanto, o conjunto verde e branco conseguiu voltar a acalmar, colocou em prática o seu jogo, desbloqueou os corredores sobretudo com as subidas de Porro e ganhou mesmo um penálti por Edwards que foi revertido pelo VAR (12′).

O Sporting tinha muito mais bola, sempre que consegui passar a zona mais congestionada do corredor central encontrava espaços pelas laterais que poderiam ser explorados de outra forma e com isso mantinha a incapacidade de entrar na área do Eintracht, equipa que não estava também particularmente inspirada no último terço mas que ia aproveitando os muitos passes errados dos leões ainda no seu meio-campo. Foi assim que Lindström conseguiu intercetar um passe de Adán mas Kamada cruzou com pouca força para as mãos do espanhol. Foi assim que Lindström (quase sempre ele) beneficiou de nova saída errada de Inácio para surgir descaído sobre a esquerda na área a rematar ao lado. Os alemães podiam até não estar muito inspirados nas saídas verticais e na construção mas iam beneficiando dos erros contrários.

Só mesmo depois de meia hora o Sporting conseguiu fazer aquilo que muitas vezes parecia quase fácil a partir do momento em que saltava a primeira linha de pressão dos germânicos, com Marcus Edwards a combinar na direita com Pedro Porro, a fazer a diagonal para dentro e a rematar de pé esquerdo para boa defesa de Kevin Trapp (35′). O intervalo chegava com o nulo e sem mais oportunidades mas com os leões a terem dois bons exemplos do que tinham de mudar: Ugarte levava dez duelos ganhos mas continuava a cometer erros ao nível de passe que podiam desequilibrar a equipa; Francisco Trincão, Pedro Gonçalves e Edwards perderam mais de metade das posses que tiveram. Assim, era difícil criar perigo na frente.

O encontro começava com as mesmas características mas com outra má notícia para Rúben Amorim, que viu St. Juste sair lesionado para a entrada de Luís Neto (que teve um corte providencial na primeira ação evitando o golo de Kamada). Ainda assim, e dentro do jogo “morno” que se mantinha também pela pressão mais baixa do Eintracht em relação à linha de centrais leonina, notava-se o pedido do técnico para a equipa subir, os laterais terem outra projeção na frente e haver capacidade de explorar a profundidade. Com isso, Porro, após passe de Marcus Edwards, atirou às malhas laterais com Pedro Gonçalves a pedir uma assistência na área, atirou às malhas laterais (57′). Por isso, tendo em conta esse adiantamento da equipa, Mario Götze teve pela primeira vez espaço para conduzir até ao remate de Muani para Adán (60′).

Aquilo que Amorim tinha pedido ao intervalo nem sempre estava a entrar mas o jogo começava a mudar a favor do Sporting, bem mais tranquilo na circulação de bola, a colocar vários elementos no meio-campo contrário e finalmente a fazer prevalecer a qualidade técnica dos elementos mais móveis da frente para criar a diferenciação no último terço. Aliás, esse foi o espelho do primeiro golo do Sporting: Matheus Reis avançou pela esquerda, Pedro Gonçalves viu a desmarcação de rutura de Morita, o japonês cruzou para a área tendo Trincão a deixar passar a bola e Marcus Edwards inaugurou o marcador (65′). E o destaque do inglês não ficou por aí, demorando menos de três minutos a assistir Trincão para o 2-0 na área depois de mais uma boa saída desde Adán que passou de novo por Morita e Pedro Gonçalves (67′).

Os leões tinham o jogo na mão enquanto o Eintracht ia lançando avançados quase ao desbarato em campo sem o mínimo contrário e foi também aí que se viu as lições da última temporada: mesmo tendo um recuo de linhas face ao que desejava pela pressão dos germânicos, o Sporting nunca deixou de ter o foco na baliza contrária para obrigar o conjunto adversário a ficar no impasse sem bola. Nuno Santos, depois de uma jogada versão todo-o-terreno de Porro pela direita, entrou para fechar as contas em 3-0 (82′) mas Kevin Trapp teve ainda de aplicar-se para não haver uma vitória mais expressiva dos lisboetas.