A história dos corredores portugueses na Vuelta leva quase oito décadas e com bons resultados a partir de 1945, quando João de Jesus Rebelo conseguiu ganhar duas etapas entre San Sebastián e Bilbau e entre Santander e Reinosa. Os tempos eram outros, as diferenças cravadas entre os primeiros era bem maior do que é hoje, mas o ciclista nascido em Lisboa que tinha então 25 anos, acabando a quase uma hora e dez minutos do vencedor Delio Rodríguez, acabou essa edição no sexto lugar (melhor entre os não espanhóis). Em paralelo, Rebelo acabou ainda em segundo na classificação da montanha apenas a um ponto de Julián Berrendero e também na vice-liderança da classificação dos pontos. Mas a história não ficaria por aí.

Ganhou um Monumento na primavera, ficou com a Vuelta no verão, vai casar no inverno: o melhor ano na vida de Remco Evenepoel

O algarvio João Lourenço ganhou em 1946 uma etapa entre Baza e Múrcia, num ano em que João de Jesus Rebelo acabou de novo no top 10 da classificação geral (décimo). João Sousa Cardoso também ficou com uma tirada em 1959 entre Pamplona e San Sebastián, o mítico Alves Barbosa venceu uma etapa no início dos anos 60 entre Albacete e Madrid (1961), mas antes o surpreendente José Ribeiro da Silva terminou a edição de 1957, conquistada pelo espanhol Jesús Loroño, na quarta posição. Depois, começou o período Joaquim Agostinho, um dos nomes fortes da competição ao longo da década de 70.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Sérgio Paulinho venceu a etapa entre Avilés e Santillana del Mar em 2006 quando estava na Astana, Nelson Oliveira conseguiu também ganhar entre Calatayud e Tarazona em 2015 pela Lampre, mas foi Agostinho a conseguir os melhores resultados entre corredores nacionais na Volta a Espanha: foi sexto em 1973 pela BIC numa edição em que Eddy Merckx bateu Luis Ocaña e festejou a sua única Vuelta entre 11 grandes voltas no currículo; foi segundo no ano seguinte também pela BIC apenas a 11 segundos do espanhol José Manuel Fuente com duas vitórias em etapas (Oviedo-Cangas de Onís e San Sebastián); foi sétimo em 1975 já pela Teka vencendo o contrarrelógio em Cartagena e andando quatro dias na liderança.

Existia agora a expetativa de perceber o que poderia fazer João Almeida na estreia na Vuelta, prova que muitos defendiam que deveria ter feito em 2021 pelas características do traçado. E o próprio corredor da UAE Emirates assumiu que não estava no melhor momento, baixando a fasquia para a possibilidade de um top 5 na geral ou uma vitória em etapa já ser um bom resultado. Cumpriu a primeira ideia e acabou com a promessa de que, fazendo para já o terceiro melhor resultado de sempre de um português na Vuelta, tem todas as condições nos próximos anos para chegar a um pódio final como Joaquim Agostinho.

“Os quinze dias de rosa no Giro em 2020 deram-me confiança e fizeram de mim o ciclista que sou hoje. Esta Vuelta é uma prova longa e tudo pode mudar num dia. O aspeto mental é o início de tudo, quero acordar todos os dias e ter vontade de treinar e dar o meu melhor nos treinos. A Volta a Burgos que fiz no início do mês foi muito importante, senti o meu corpo a absorver a competição e o ritmo da corrida. No fundo, isso dá-me grande confiança”, referiu na antecâmara da Vuelta numa entrevista ao Olympics, antes de balizar aquilo que já seria um bom resultado: “Em Espanha vamos ter etapas duras na Serra Nevada, mais no fim. Vamos ver como as pernas vão estar. Conheço bem a zona. Treinei muito lá, adapta-se às minhas características e isso pode dar vantagem. Tendo em conta a situação, se eu fechasse no top 5 seria um bom resultado. Mais do que isso, gostaria de ganhar uma etapa. Seria importante para mim, especial”, acrescentou, admitindo sempre que não se sentia nas melhores condições como noutras provas.

As três semanas históricas do Giro em que os portugueses saíram da sombra: João Almeida em quarto, Rúben Guerreiro com a azul

A subida ao Pico Jano, ainda nos primeiros dias em Espanha depois do arranque nos Países Baixos, acabou por ser um ponto importante no trajeto do português, que viu Juan Ayuso colocar-se mais à frente como o melhor corredor da UAE Emirates. Aí, o corredor de A-dos-Francos subiu a 11.º da geral, entrando poucos dias depois no top 10 com as desistências de Pavel Sivakov e Simon Yates. O contrarrelógio entre Elche e Alicante podia ter sido mais um momento importante para encurtar distâncias mas um engano na parte final do percurso tirou mais alguns segundos até a uma terceira semana em crescendo que permitiu, na etapa rainha que passava por Navacerrada, subiu da sexta para a quinta posição na Vuelta.

O melhor final de uma história que está a começar: Almeida é quinto em Milão e termina Giro no sexto lugar (a 53 milésimos do quinto)

Depois do quarto lugar no Giro de 2020 que serviu como cartão de apresentação em termos internacionais, João Almeida teve um ano de 2021 em que conseguiu o primeiro pódio no World Tour (terceiro na Volta aos Emirados), acabou a Tirreno-Adriático em sexto, foi sétimo na Volta à Catalunha, terminou o Giro em sexto e ganhou a Volta à Polónia e a Volta ao Luxemburgo. Este ano, que marcava a troca da Quick-Step pela UAE Team Emirates, o português foi quinto na Volta aos Emirados, oitavo na Paris-Nice, terceiro na Volta a Catalunha com uma vitória em etapa e segundo na Volta a Burgos também com um triunfo em etapa. Agora, chegou o quinto lugar na estreia na Vuelta. E o amargo da desistência no Giro após ter contraído Covid-19 quando lutava ainda pela terceira posição da geral com o espanhol Mikel Landa.

Resistiu a tudo menos à Covid-19: João Almeida testa positivo, desiste do Giro e perde hipótese de fazer história com camisola branca

De acrescentar ainda que esta foi a décima vez que um português fechou no top 5 de uma grande volta: no Tour, Joaquim Agostinho foi terceiro em 1978 e 1979 e quinto em 1971 e 1981 e José Azevedo foi quinto em 2004; no Giro, João Almeida foi quarto em 2020 e José Azevedo foi quinto em 2001; na Vuelta, Agostinho foi segundo em 1974, Ribeiro da Silva foi quarto em 1957 e agora Almeida foi quinto em 2022.