O programa 5G-Mobix, financiado pela União Europeia de 2018 a 2022, que visa promover a condução autónoma, aproxima-se do seu término. Envolve 58 empresas parceiras, entre as quais a portuguesa NOS e a sua rede 5G, além de 13 países do Velho Continente, a que se aliou a Turquia, a China e a Coreia do Sul. O projecto foi dividido em sete áreas distintas, cada uma delas relativa aos sete principais desafios tecnológicos que os veículos autónomos têm pela frente, com Portugal a ter de resolver a questão do handover entre redes de países distintos, quando um veículo atravessa uma fronteira e a sua segurança e operacionalidade deixam de estar garantidas por um operador de 5G, passando essa responsabilidade a outro.
O automóvel, tal como o conhecemos, está a evoluir lentamente há muito, mas prepara-se para dar um salto em frente nos próximos dois a cinco anos que vai impressionar (em alguns casos assustar) muitos condutores. Numa primeira fase, a novidade será a adopção de sistemas que vão ajudar os condutores, impedindo-os de excederem os limites de velocidade, para de seguida a condução autónoma passar a estar disponível para quem a deseje, impulsionada pelo negócio dos táxis e TVDE, além do transporte rodoviário de longo curso. Esta nova tecnologia vai também atrair condutores que estejam disponíveis a pagar entre 10.000€ e 15.000€ para obter um maior conforto numa viagem Lisboa-Porto, confiando a condução ao computador, tendo igualmente como objectivo servir os shuttles para o transporte de passageiros, como o que o 5G-Mobix utilizou para demonstrar o potencial do seu sistema nos veículos sem condutor.
Carro autónomo em zona difícil mas com “big brother”
A demonstração em Portugal decorreu a norte, na velha ponte rodoferroviária que liga a portuguesa Valença à espanhola Tui, separadas pelo rio Minho que faz fronteira naquela região. À ponte estreita, a organização juntou outros elementos de dificuldade acrescida, de um peão escondido, posicionado no ângulo morto do shuttle, a uma interrupção da via provocada por um ciclista parado.
A interrupção era um dos pontos mais importantes desta fase da demonstração, uma vez que colocaria à prova a ligação ao centro de controlo, uma espécie de big brother destinado a ajudar a ultrapassar situações que o sistema autónomo não consiga resolver. É bom recordar que os veículos autónomos de Nível 5, como este, não possuem condutor e, muitos deles, não terão mesmo volante ou pedais. Daí que perante uma dificuldade inultrapassável, a solução preconizada pelo sistema 5G-Mobix é recorrer a um ser humano, sentado algures num centro de controlo, que assumirá a condução do veículo em tempo real e ultrapasse o obstáculo.
Questionámos o coordenador global do 5G-Mobix, Coen Bresser, sobre os motivos que levam empresas como a Waymo (da Google) ou a Tesla, a conceber sistemas autónomos auto-suficientes, sem necessidade de ajuda de humanos à distância por recorrerem a soluções complexas com inteligência artificial, ao contrário do que acontece no 5G-Mobix. A resposta não se fez esperar: “O nosso sistema autónomo permite interacção com outros veículos e com a rede rodoviária, tendo acesso a informações que uma solução autónoma não possui apenas com LiDAR, radares e câmeras”. E Bresser foi mais longe ao afirmar que este sistema de condução autónoma “pode mesmo servir para complementar outros sistemas no mercado”.
“Sistema vê peão a correr antes de virar a esquina”
Se a ponte não representou qualquer problema, o veículo autónomo descobriu e evitou o peão fora do ângulo de visão. Jorge Graça, responsável pela Tecnologia e Informação da NOS esclareceu-nos que, “nesta fase, o sistema identifica os peões apenas se estes tiverem consigo um telemóvel 5G, mas na demonstração na ponte Valença-Tui foi instalado um sensor que detectaria qualquer peão ou ciclista que se aproximasse da via naquele local, avisando rapidamente o sistema para a situação de perigo”.
Este é um exemplo do potencial do V2X (Vehicle-to-Everything), em que o 5G-Mobix troca de informações com sensores e câmaras montadas nas vias. De outra forma, o shuttle não tinha hipóteses de saber que aproximava um peão da estrada, momentaneamente encoberto pela estrutura da ponte. O veículo testado entre Valença e Tui demonstrou lidar bem com a situação ao não ser surpreendido por pessoas localizadas em ângulos mortos, contando obviamente que a estrada em causa possua os necessários sensores e câmaras para fornecer as preciosas informações.
Jorge Graça admite que o facto de o sistema apenas detectar indivíduos com telemóvel 5G é uma limitação, mas avança que “é também uma oportunidade, uma vez que os outros sistemas que ainda estão a ser desenvolvidos não conseguem saber que se aproxima um peão a correr atrás da esquina, ou vai surgir um ciclista detrás do camião, o que é possível saber com o nosso 5G-Mobix”.
Um buraco de 0,2 segundos em vez dos actuais 2,5 minutos
A parte principal da demonstração na zona transfronteiriça Valença-Tui consistia em ver até que ponto se conseguia acelerar o handover da rede espanhola para a portuguesa NOS, ambas 5G. Segundo Coen Bresser, “nas estradas europeias, tradicionalmente um handover normal pode demorar até 2,5 minutos, o que é inaceitável para um sistema de condução autónoma, que não pode ficar “cego” durante tanto tempo. Com o 5G conseguimos reduzir o buraco para apenas 0,2 segundos”.
Para se ter uma ideia da redução do período necessário ao handover, conseguida com a adopção da rede 5G, basta ter presente que durante 2,5 minutos, um veículo a 120 km/h percorre quase 5 km, enquanto em 0,2 segundos não ultrapassa os 7 metros. Bresser afirma que este é um valor aceitável para os milhões de veículos que cruzam fronteiras diariamente na Europa.
O projecto 5G-Mobix atingirá um custo de aproximadamente 26 milhões de euros, quando chegar ao fim, tendo a União Europeia contribuído com cerca de 20 milhões. O restante foi suportado pelos parceiros envolvidos no projecto. Resta agora aguardar por uma definição de timings, numa fase em que todo o trabalho de testes parece estar concluído, nas sete áreas em que o 5G-Mobix foi dividido.
