O especialista em desenvolvimento regional Filipe Teles considerou este sábado que a falta de debate sobre a regionalização marcou este primeiro ano após as autárquicas de 2021, deixando antever que, mais uma vez, o processo será adiado.

Filipe Teles, professor do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território e pró-reitor para o desenvolvimento regional e política de cidades na Universidade de Aveiro, considerou que o último ano autárquico foi ainda marcado pela resolução de vários problemas associados à pandemia de covid-19, na qual os municípios tiveram um papel fundamental, pela necessidade urgente de preparação dos quadros comunitários e pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), além das dúvidas levantadas e dos atrasos nos diferentes pacotes de descentralização.

Mas, o que marcou realmente o primeiro dos quatro anos deste ciclo autárquico “é o que não aconteceu”: num ano em que também se realizaram eleições legislativas, faltou “um debate pelo menos mais informado sobre o eventual processo de regionalização”, disse.

Aquando do período de pré-campanha para as legislativas, “o debate parecia estar a ser marcado por um anúncio de que se realizaria um processo de reflexão, de propostas, relativamente a um processo de aprofundamento da descentralização e de regionalização, com referendo em 2024”, recordou Filipe Teles.

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No entanto, acrescentou, essa discussão ainda não aconteceu e os municípios continuam “a trabalhar com as competências que têm, numa expectativa de um aprofundamento futuro, mas que ainda é muito incerto”.

“Diria que muito pouco mudou na realidade autárquica neste ano para além dos debates ausentes”, disse, salientando que “as expectativas vão baixando à medida que o tempo vai passando”.

“Se o debate está a desaparecer do espaço político e do espaço mediático, de alguma forma, é sinal que também não posso ser otimista. Portanto, não vejo como sendo viável a regionalização até 2024”, argumentou.

Nem a pandemia, nem a urgente discussão do novo quadro comunitário e do PRR “são argumentos suficientes para abandonar o debate sobre a regionalização”, uma vez que o atraso não tem dois anos, mas quase cinco décadas.

Na sua perspetiva, Portugal partiu de “um contexto difícil” e continua a ser um dos países mais centralizados da Europa de forma “preocupante”, porque tem “uma tradição da construção da arquitetura do modelo de governação muito centralista”, baseada em “mitos associados a que a descentralização cria um poder excessivo de novas classes políticas, que pode estar associado a novos fenómenos de caciquismo e corrupção e que é menos eficiente”.

Estes argumentos “são facilmente rebatíveis”, considerou, salientando que outros países europeus, até com uma dimensão territorial e populacional mais pequena, começaram a descentralizar depois de Portugal e já o ultrapassaram.

Em Portugal, os municípios têm um grau de autonomia grande, “mas poucas competências ou pouca capacidade de implementar essas competências”, além de não ter sido construída “uma arquitetura de governação ao nível regional e sub-regional, que permita um modelo mais coincidente com o que são hoje as práticas democráticas em todos os países europeus”.

“Porquê? Porque a descentralização implica uma coisa muito simples, que é a perda de poder. E a perda de poder da administração central, das estruturas de governação central, pela natureza humana, é sempre um problema. Perder poder é sempre um problema e a descentralização obriga a isso”, concluiu.