Uma foto a preto e branco de Jorge Palma destaca-se num cartaz disposto à entrada do Palácio Baldaya, em Lisboa. A imagem é antiga e remete-nos para os anos em que o músico português divagava de guitarra ao peito pelo metro de Paris. Mais de 40 anos depois, Palma deu o primeiro concerto da série “Antologia”, na qual irá recordar os discos mais marcantes de uma longa carreira.

Sentado ao piano a sós, perante um jardim cheio de gente, a noite ventosa levou-lhe algumas das partituras logo aos primeiros acordes de “Viagem na Palma da Mão”. O público ri-se e  aplaude. Ele devolve o gesto com um generoso “bem vindos”. A noite será para recordar o disco , gravado há mais de trinta anos, com as mãos nas teclas de um Steinway captado por cinco microfones. Nesta noite, o instrumento é um Yamaha, mas a atmosfera não está longe daquele outono de 1991, quando, sem orçamento, gravou aquele que viria a tornar-se um disco de referência, interpretando alguns dos seus maiores clássicos como “Bairro do Amor”, “Estrela do Mar” ou “Canção de Lisboa”.

Lembrando que ainda precisa das suas “cábulas”, Jorge Palma desfilou uma série de canções praticamente sem falar pelo meio. Sob uma árvore iluminada de azul, com meia dúzia de projetores apontados a si, entrega de um fôlego “O Amor Existe”, “Terra dos Sonhos”, e “Dá-me Lume”, arrancando a um público atento as primeiras letras cantadas na ponta da língua. Na verdade, este concerto, o primeiro de uma série a que chamou de “Antologia”, não se ficou apenas pela sua obra-prima a solo: “vou tocar o ‘Só’e muitas outras canções”, disse.

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A celebrar 50 anos de carreira, o músico prepara-se para uma série de seis concertos em Lisboa. A iniciativa, que ganhou o nome de “Antologia”, servirá para o músico apresentar alguns dos álbuns que marcaram o seu percurso. Na noite de domingo aconteceu o primeiro, mas Palma subirá a diferentes palcos, até novembro, que culminará com uma reunião do Palma’s Gang, grupo formado no início dos anos 90 que juntava o músico a elementos dos Rádio Macau e Xutos & Pontapés. “Uma ideia maluca, para partir tudo”, promete ao público.

E se esta primeira noite apresentou um espectáculo doce e delicado, a verdade é que o músico se entregou de alma e coração durante duas horas, tocando vinte e cinco temas que são história da música portuguesa e que o elegem como um dos maiores poetas urbanos do nosso tempo. Em “Estrela do Mar”, Palma exibe todo o virtuosismo e destreza que ainda lhe pertencem, aos 72 anos.

Nos Jardins do Palácio Baldaya ouviram-se os clássicos “Bairro do Amor”, com o músico a tossir pelo meio e um pedido de desculpas antes da introdução de “Jeremias o Fora da Lei”: “costumo tocar esta à guitarra e sei a letra de cor, mas o arranjo para piano é mais difícil”. Da plateia alguém grita “força!”. Pelo meio ainda tem tempo para pequenos enganos, esboçando um sorriso humilde. Segue-se “Frágil” num momento de intimidade, que nos permite escutar o seu pé a bater na madeira do palco, ao ritmo das paragens.

Na fila da frente há quem tenha trazido uma manta prevendo uma noite fria, e os mais incautos desenrascam-se colocando os capuzes, cachecóis ao pescoço e as mãos dentro das mangas. Nada que atrapalhe o concerto em modo celebração, que segue com “Horas Brancas” e “Só”, a música que dá nome ao disco da noite. “Sem a vossa presença isto não fazia sentido”, diz, pouco antes de avançar para “A Gente Vai Continuar” e para uma aventura com uma das sinfonias de Beethoven.

“A música clássica sempre fez parte da minha vida desde que nasci, até aparecerem os Beatles e os Rolling Stones. Só acabei o conservatório quando já tinha 40 anos”, diz no final do concerto, pouco antes de regressar ao palco para dois encores, perante uma enorme ovação: “Avec les temps” – que precisou da entrada em palco de um roadie para apanhar as folhas que continuavam a voar – e uma pequena história com Carlos do Carmo.

“Costumava encontrar-me com ele, que me dizia: ‘tu não sabes escrever fados’. E sempre que nos víamos ele perguntava: ‘então a canção?’. Eu respondia: ‘calma, escrever para ti não é fácil.’ Ao fim de três anos lá fui a casa dele para gravar a “Canção de vida”, que na verdade era também uma canção devida”, diz para gargalhada geral. “Ao longo da vida tenho escolhido tocar sozinho, fazer as minhas letras e músicas, e algumas colaborações. Uma delas foi com o Carlos Tê, no Porto. Ele apareceu no estúdio, ouviu o piano e escreveu ‘Valsa de Um Homem Carente’.

Para o final estavam ainda reservadas algumas versões de Leonard Cohen –“não podia faltar” – e “Portugal, Portugal”, primeiro numa voz sussurrada para depois crescer acompanhado pelo público que cantava “enquanto ficares à espera ninguém te vem ajudar”. E lá voltou às histórias para contar como usou uma obra de Herberto Hélder sem pedir autorização, terminando com um lamento: “Nunca lhe apertei a mão”. Música e confissões, foi a receita de abertura desta mini digressão, é a receita que promete continuar.

No Teatro Tivoli BBVA, a 7 de outubro, Jorge Palma revisita “Com Uma Viagem na Palma da Mão”, “‘Té Já” e “Qualquer Coisa Pá Música”; a 26 de outubro toca as canções de “Acto Contínuo”, “Asas e Penas” e “Lado Errado da Noite”; a 1 de novembro apresenta “Quarto Minguante”, “Bairro do Amor” e “Jorge Palma (Proibido Fumar)”; e a 8 de novembro regressa aos temas de “Norte”, “Voo Noturno” e “Com Todo o Respeito”. O regresso dos Palma’s Gang, que o juntará a Alex, Flak e Kalú, acontecerá no palco do Cineteatro Capitólio a 19 de novembro.