André Villas-Boas foi campeão nacional sem derrotas. Conquistou a Liga, a Supertaça e a Taça de Portugal com o FC Porto, tornando-se ainda o treinador mais novo de sempre a ganhar uma competição europeia ao vencer a Liga Europa. Ganhou tudo na Rússia com o Zenit e alcançou um impressionante segundo lugar da Ligue 1 na primeira época no Marselha. Ainda assim, pelo menos em Inglaterra, é sempre recordado pelo mesmo: as experiências traumáticas no Chelsea e no Tottenham.

“Porque é que começamos sempre as conversas com ‘o que é que aconteceu no Chelsea?’ ou ‘porque é que não gosta de Inglaterra?’ em vez de ‘as coisas correram tão bem no FC Porto e correram tão bem na Rússia e conseguiu o segundo lugar com o Marselha’?”, começa por questionar o treinador português ao jornalista do Telegraph, numa entrevista publicada esta quarta-feira. Mas, logo depois de fazer a pergunta, Villas-Boas tem a resposta.

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“Eu sei porquê. Porque eu não tenho problema nenhum em falar sobre os meus falhanços. As pessoas dizem-me que sou um miúdo estúpido que decidiu ser treinador e que as coisas não correram bem no Chelsea porque era muito teimoso, porque tinha muito blá, blá, blá, porque tinha a cláusula de rescisão. Existem tantas mentiras que as pessoas querem relacionar comigo… Eu sou curioso e investigo e mergulho nos detalhes e leio e preparo-me. Às vezes as coisas correm bem, às vezes não correm bem. Quantos treinadores é que o Chelsea já despediu?”, acrescenta o técnico, que não orienta um clube desde que decidiu deixar o Marselha no início de 2021.

No espaço de mais de ano e meio que passou, André Villas-Boas tem-se dedicado à paixão pelo desporto motorizado — ficou em 28.º no último Rali de Portugal — aos livros e à escrita e ao papel enquanto embaixador da Laureus. Recentemente, esteve em Nova Deli a visitar os bairros mais pobres da cidade e trouxe uma certeza: nenhuma saída do Chelsea ou do Tottenham pode ser comparada ao que viu.

“A maioria de nós conhece os problemas que existem nas nossas sociedades hoje em dia mas a Índia está noutra escala. Ver aqueles bairros… As pessoas a tirar comida do lixo, sem sapatos, sem saneamento, sem água potável, sem eletricidade, sem luz. É o nível mais baixo que pode existir no que toca a integração e pobreza. É muito difícil de testemunhar”, revelou o treinador português.

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Ainda assim, e apesar do início mais atribulado, Villas-Boas não se escusou a falar sobre os complexos 28 meses que passou em Londres, entre Chelsea e Tottenham, e que não lhe garantiram propriamente uma reputação positiva na Premier League. Começando pelos blues, onde carregou a pesada herança da memória de José Mourinho, recordou desde logo que a época com o pé errado no mercado de transferências.

“Falhámos o negócio do Modric [que estava no Tottenham] logo no início da temporada. Se não desse o Modric, era o Moutinho, foi essa a promessa que o Roman [Abramovich] me fez. O Moutinho foi para a Premier League anos e anos depois de eu tentar levá-lo, fiz a proposta tanto ao Chelsea como ao Tottenham. E agora todos podem ver o jogador que ele é. Achava que o Modric estava feito e acabou no Real Madrid no ano seguinte. Depois o negócio do Moutinho estava praticamente fechado com o FC Porto mas caiu tudo quando também caiu o do lateral esquerdo, o Álvaro Pereira. E isto não são coisas em que possas culpar um treinador”, atirou o técnico, que ainda conquistou uma Taça de Inglaterra durante a breve passagem pelo Chelsea.

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Quanto ao Tottenham, onde até começou bem com uma temporada em que falhou por pouco o apuramento para a Liga dos Campeões mas alcançou o recorde de pontos do clube na Premier League, André Villas-Boas explica que não se sentiu desejado na segunda época. “Tinha uma oferta do PSG em cima da mesa e o Daniel Levy [o presidente] queria vender-me por 15 milhões. Claro que o PSG não queria pagar. E eu decidi ficar, pelo meu amor ao Tottenham. E eles estavam à espera de que eu quisesse ir. Foi o início de uma má relação, não estávamos felizes um com o outro. Fiquei no Tottenham pelo meu amor ao clube e o clube queria que eu fosse embora. Foi o fim da história”, indicou o treinador de 44 anos.

Por fim, quanto ao futuro e com a presidência do FC Porto sempre no horizonte, Villas-Boas garante que pretende ter mais um desafio como treinador antes de terminar a carreira — revelando ainda que quer assumir uma seleção nacional e que teve a oportunidade de estar presente no Mundial mas acabou por não chegar a acordo.