Mais apertado era complicado. Depois de duas sessões de treinos livres dominados pela Mercedes e com a Alpine a mostrar também bons registos à chuva, a pista seca trouxe outra realidade com as duas equipas mais fortes a discutirem até ao limite os melhores lugares na grelha de partida. Por apenas dez milésimos de segundo, Max Verstappen chegou à sexta pole position da temporada à frente de Charles Leclerc, tendo atrás de si na segunda linha Carlos Sainz e Sergio Pérez. Na antecâmara da corrida que lhe podia valer o bicampeonato mundial de Fórmula 1 em caso de vitória e volta mais rápida (neste caso, um cenário para depender apenas de si), o neerlandês começava da melhor forma numa espécie de terreno sagrado.

A possível decisão da época pela margem mais curta da época: Verstappen na pole com menos dez milésimos do que Leclerc

Além de ser um circuito onde já ficaram carimbados alguns títulos na história, havia mais ligações muito próximas a Max. A mais mediática esteve ligada à Honda e ao carro que tinha sido pilotado há duas décadas pelo pai do piloto, Jos Verstappen, quando o filho tinha apenas quatro anos. A outra, num outro plano mais histórico, recuava até outubro de 2014, quando o neerlandês então apenas com 17 anos e três dias beneficiou de uma superlicença para poder fazer a primeira sessão de treinos livres do Grande Prémio do Japão na vaga que pertencia a Jean-Éric Vergne mas passaria para si no final da temporada.

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“O meu pai já me antecipou que Suzuka é um circuito muito difícil e por isso não vou com nenhuma ideia de romper recordes mas sim com a intenção de experimentar novas sensações”, destacou sobre esse teste em 2014 pela Toro Rosso. Estava a começar aí uma história que cresceu e cresceu até hoje: foi o mais novo a estrear-se na Fórmula 1, o mais novo a conseguir pontuar e o mais novo a conseguir ganhar uma corrida (na 24.ª que fez na carreira). Até 2020, em seis anos, conseguiu seis vitórias; nos últimos dois, chegava ao Japão com um total de 21 triunfos. E depois de ter conseguido o primeiro sucesso na Arábia Saudita, em Miami, no Azerbaijão, no Canadá, em Budapeste e em Monza, tentava o mesmo em Suzuka.

Antes, um pouco de polémica: um quase acidente com Lando Norris, que seguia numa volta rápida mas que teve de sair de pista perante o ziguezaguear do neerlandês enquanto aquecia os pneus, levou a que houvesse uma investigação mas sem efeitos em termos de pódio. “Eu ia devagar e ia acelerar mas os pneus estavam frios. O Lando tentou ultrapassar-me ao mesmo tempo e teve de se desviar de mim. Por sorte, nada aconteceu”, explicou Verstappen depois do melhor tempo, sendo que a análise ao ocorrido fez com que tivesse apenas uma reprimenda por parte dos comissários com Ferrari e McLaren a pedirem mais.

Depois da melhoria das condições este sábado, o dia da corrida trouxe mais uma bátega de água que fez com que os comissários deixassem as coisas andar… menos de uma volta: Leclerc partiu muito bem, Max Verstappen conseguiu agarrar a liderança a ultrapassar por fora antes de mostrar uma melhor adaptação à pista encharcada, uma sucessão de acidentes levou a que o safety car entrasse em pista para a bandeira vermelha que se manteria durante muito tempo. Apenas no arranque, Sainz teve uma saída de pista sozinho, Alexander Albon parou, Vettel  saiu de pista na sequência de um toque com Alonso, Gasly ficou com um painel publicitário pela saída do espanhol e acabou à beira de um ataque de nervos por se ter cruzado na pista com um carro/grua que, perante a pouca visibilidade, poderia ter provocado um acidente. A chuva não abrandava, os espectadores não arredavam pé, as três horas estavam a contar.

“Que raio. Como é que isto aconteceu? Perdemos uma vida há uns anos. Arriscamos as nossas vidas, especialmente em condições como estas. Queremos correr mas isto é inaceitável”, escreveu Lando Norris no Twitter durante a paragem, recordando o acidente que vitimou Jules Bianchi em 2014 também no Japão. “Sem respeito pela vida do piloto, sem respeito pela memória Jules”, destacou o pai do piloto, Phillippe Bianchi. “O que aconteceu é totalmente inaceitável. Perdemos aqui Jules Bianchi há uns anos e isso nunca, jamais, deveria acontecer. Portanto, é necessário que haja uma investigação completa sobre a razão pela qual havia um veículo de recuperação em pista”, salientou Chris Horner, diretor da Red Bull.

A espera foi longa durante duas horas mas houve um pouco de tudo: animação nas bancadas, jogos de Uno nas boxes, conversas entre compatriotas, aquecimentos personalizados, capas por cima de todas as botas dos pilotos que não sabiam ao certo o que poderia acontecer apesar de passarem algum tempo a estudar aquilo que a meteorologia apontava. Após esse período, o safety car ia voltar e a corrida voltava não por voltas mas por tempo, tendo em conta tudo o que se tinha passado e a janela das três horas.

Todos começaram com pneus de chuva, todos foram depois mudar para intermédios, tudo ficou na mesma depois de todas essas passagens pelas boxes. Aliás, à partida as contas eram fáceis de fazer tendo em conta que a adaptação à pista era maior e a probabilidade de haver saídas de pista entre os primeiros baixava. Assim, e os ritmos de corrida, Verstappen já tinha a vitória no bolso, tendo em conta a consolidação do primeiro lugar (depois da forma fantástica como segurou a liderança no arranque apesar da melhor saída de Leclerc), e estava na luta pela volta mais rápida. A 20 minutos do fim, com 25% da corrida já cumprida, o neerlandês estava com dez segundos de avanço mas a melhor volta era de Leclerc.

Com o neerlandês a passear na frente e Zhou a ter a volta mais rápida a dez minutos do final para gáudio do público que não arredou do traçado de Suzuka, havia duas lutas de encher o olho que tinham pouco ou nada a ver com o que poderia acontecer a nível de título: Sergio Pérez e Leclerc, com o mexicano a apertar o monegasco pelo segundo lugar, e Ocon e Hamilton, na discussão do quarto posto. Apesar de uma saída de Leclerc para a escapatória na última volta, Pérez acabou em terceiro, com Verstappen a somar a 12.ª vitória da temporada e a dar mais um passo de gigante para a inevitável conquista do bicampeonato. Assim se pensava, até passarem dois minutos. Aí, tudo mudou. E não só veio a confirmação de que a pontuação seria a 100% como o castigo a Leclerc, que desceu a terceiro e deixou o neerlandês com o título. Por cinco segundos, e quando Verstappen já tinha falado na flash como “não campeão”, começou a festa.

Notícia atualizada às 12h15 com a informação de que foi Fernando Alonso e não Pierre Gasly a tocar em Vettel no arranque e que Albon desistiu não por uma saída mas como consequência de um toque com Kevin Magnussen que acabou por afetar o radiador do seu carro