Muitos portugueses a residir nas Bermudas, mas também bermudenses interessados na cultura portuguesa, desistem de visitar ou conhecer Portugal porque as suas cartas de condução não são válidas em território português, lamentou a cônsul honorária.

Andrea Moniz-DeSouza, cônsul honorária de Portugal em Hamilton, capital da Bermuda, a principal ilha no arquipélago britânico das Bermudas, onde 25% da população tem ascendência portuguesa, considera que esta situação prejudica muito os portugueses que ali residem e também o turismo em Portugal.

Nas ilhas das Bermudas — onde os primeiros portugueses chegaram em 1849 — a comunidade portuguesa está “bem integrada” e destaca-se pela forma como mantém viva as tradições portuguesas.

São, aliás, estas atividades culturais que fazem com que muitos bermudenses e cidadãos de outros países que vivem nas Bermudas fiquem curiosos em relação a Portugal e manifestem vontade de visitar este país.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Contudo, tanto os lusodescendentes como os naturais das Bermudas e de outros países, que para ali emigraram, desistem de visitar Portugal porque as suas cartas de condução, tiradas no território britânico, não são válidas em Portugal, acontecendo o mesmo aos portugueses que visitem as Bermudas.

“Imagine o que é visitar Portugal [continente] e os Açores, região de onde são oriundos 95% dos emigrantes portugueses nas Bermudas, e não poder alugar um carro. Muitos não estão para isso e optam por outro destino”, disse Andrea Moniz-deSouza.

A advogada lamenta este entrave que, segundo afirmou, faz com que muitos lusodescendentes que não conhecem Portugal não o façam para não ficarem privados de conduzir e de se deslocar de carro.

“Já é difícil manter os mais jovens ligados às iniciativas culturais — o grande desafio das associações de emigrantes — e esta impossibilidade de conduzir em Portugal contribui para um maior afastamento“, apontou.

Andrea Moniz-deSouza, que já esteve à frente de movimentos associativos nas Bermudas, como o Clube Vasco da Gama, fundado em 1935, afirmou que tenta alterar esta situação há uma década, tendo transmitido a ideia aos sucessivos governos, regional e nacional.

“O que nos dizem é que as Bermudas têm de mudar para Portugal mudar”, avançou.

A Lusa questionou o gabinete do ministro das Infraestruturas e da Habitação, que confirmou a inexistência de qualquer protocolo adicional relativo à vinculação à Convenção de Genebra sobre Trânsito Rodoviário de 1949, nem à Convenção de Viena de 1968.

A mesma fonte referiu que entre o território britânico e Portugal “não é aplicável o regime de reciprocidade no reconhecimento de títulos de condução”.

Segundo o Ministério das Infraestruturas e da Habitação, as cartas de condução obtidas nas Bermudas “não são válidas para a condução de veículos” em Portugal.

Questionado pela Lusa, fonte oficial do governo dos Açores indicou que “esta matéria não é da competência do governo dos Açores, mas sim da exclusiva responsabilidade do Governo da República”, pois está relacionada com “a relação direta entre Estados“.

“A pedido da comunidade portuguesa da Bermuda, que é quase exclusivamente de origem açoriana, já sensibilizámos deputados dos Açores à Assembleia da República para colocarem a questão ao Governo da República”, disse a mesma fonte, acrescentando:

“A resposta formal foi enviada pelo Governo ao parlamento, há um ano, evocando o princípio da reciprocidade e resumindo que Portugal só pode reconhecer as cartas de condução da Bermuda quando a Bermuda reconhecer as cartas de condução de Portugal”.

Para Andrea Moniz-deSouza, além dos entraves à ligação entre os lusodescendentes e a sua terra de origem, nomeadamente os Açores, o turismo português também perde com este obstáculo.

“Os bermudenses têm muito interesse em conhecer Portugal, principalmente quando assistem às nossas manifestações culturais, como as festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres e do Divino Espírito Santo, tradicionais dos Açores e que reproduzimos no arquipélago”, disse.

Mas a curiosidade não é suficiente para ultrapassar o impedimento de conduzir em Portugal, referiu a jurista, lamentando que o turismo fique a perder devido a um obstáculo que, “com boa vontade“, poderia ser ultrapassado.