Primeiro, foi uma sopa de tomate atirada contra um quadro de Van Gogh. Depois, foi puré de batata a manchar um quadro de Monet. Agora, bolo de chocolate a vandalizar uma figura de cera de Carlos III. E antes dos protestos que envolvem comida e obras de arte, já havia quem se colasse a quadros ou se prendesse a balizas no meio de estádios de futebol. As ações de protesto pelo clima têm um elemento comum: a procura pelo golpe mais chamativo possível, para atrair atenção mediática — e são executadas por ativistas com currículos já extensos e experiência em provocar choques mediáticos.

Um dos últimos casos é um do quadro de Claude Monet, parte da série Les Meules, exposto no Museu Barberini de Postdam, na Alemanha — e atingido este domingo com puré de batata. Quatro ativistas atiraram a massa amarela ao quadro e dois deles colaram-se ao chão. Desta vez, a responsabilidade foi do grupo Lezte Generation (Última Geração, em português), que não é exatamente um estreante neste tipo de protestos.

Ativistas ambientais voltam a atacar. Figura de cera de Carlos III vandalizada com bolo de chocolate

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No seu website, o Lezte Generation explica qual é a missão a que se propõe: dado que o governo (neste caso alemão) “ignora todos os avisos” e “alimenta a crise climática”, trazendo a população ao “limite de um abismo”, os ativistas dizem já não estar “dispostos a aceitar este crime contra a Humanidade sem resistência”.

No vídeo do protesto que envolveu puré de batata, resumem assim os seus propósitos e a necessidade de tentar provocar choque: “Se é preciso puré de batata ou sopa de tomate sobre um quadro para lembrar que os combustíveis fósseis nos estão a matar, dar-vos-emos puré de batatas sobre um quadro!”.

Ativistas climáticos colam-se a quadro do século XIX em Londres: “A arte é importante, mas quando não há comida de que nos serve a arte?”

“Não vamos esperar enquanto um estado após o outro colapsa. Estamos todos em perigo”, escrevem no website, lembrando que nos últimos meses já promoveram uma greve de fome, o bloqueio de uma das autoestradas mais movimentadas da Alemanha ou o bloqueio de oleodutos no país.

Protestos em autoestradas e estádios de futebol

Os protestos serviram para tentar obrigar o chanceler, Olaf Scholz, a priorizar a luta contra as alterações climáticas, mas também para promover outras causas, como a exigência de que algumas autoestradas alemãs que não têm limites de velocidade passem a ser abrangidas por um tecto de 100 quilómetros por hora e o passe ferroviário por nove euros.

Foram também cinco membros desse grupo que recentemente invadiram o campo, tendo-se um deles agarrado ao poste de uma baliza, durante um jogo da liga alemã — o capitão do Bayern de Munique, Thomas Muller, tentou, de resto, expulsar o ativista durante o jogo.

“Somos a última geração que ainda pode impedir a sociedade de colapsar”, anunciam estes ativistas. E é por isto que dizem estar dispostos a pagar multas altas ou a ser julgados criminalmente e até presos, enquanto tentam cumprir os seus objetivos. “Aceitamos as consequências das nossas ações com as nossas caras e os nossos nomes. Dizemos a verdade”, escrevem.

O braço italiano do grupo, ativo desde dezembro, também adota métodos semelhantes: no verão dois ativistas colaram-se ao quadro “Primavera”, de Sandro Boticelli, mas antes já tinha bloqueado estradas ao redor de Roma. Mais uma vez, a preocupação foi climática e o quadro não foi escolhido ao acaso: em comunicado, o grupo perguntava se “é possível ver uma primavera tão bonita como esta hoje?”.

Nessa altura, o grupo disse que este protesto foi o primeiro de uma “nova temporada de ações” que vão ser direcionadas a museus. No seu website, os ativistas dão algumas instruções a quem se quiser juntar ao grupo, explicando que dão palestras e “ações de treino” para que os novos membros se preparem, por exemplo, de forma “intensiva” para “bloquear uma rua”: “É tudo um questão de não-violência disciplinada”.

Além disso, o grupo apresenta-se como “inteiramente não-violento nas ações e no discurso”, sem recorrer a insultos, agindo de forma “calma e respeitadora, mas determinada e firme”. Diz que revisita a sua “teoria da mudança” regularmente e que considera que conceitos como a crise climática, racismo, sexismo, colonialismo, ou antissemitismo estão relacionados.

Nos seus protestos, os ativistas prometem “abrir sempre caminho para as ambulâncias“, mesmo quando se “colarem” a estradas.

O financiamento (que tem o dedo de uma milionária)

No caso da Última Geração, o financiamento, segundo a informação disponível no website do grupo, vem sobretudo do Fundo de Emergência Climática. O dinheiro é usado para “recrutamento, treino e educação”.

Recentemente, um testemunho sobre estes protestos, publicado no The Guardian, captou a atenção mediática: era assinado por Aileen Getty, a filantropa e descendente da família milionária Getty, que começou por construir a sua fortuna à base da exploração de combustíveis fósseis.

Agora, Getty, que trabalha em várias causas, desde a proteção de pessoas sem abrigo a pessoas com SIDA, ajuda a financiar o Fundo de Emergência Climática, o que levou alguns ativistas a acusarem-na, nas redes sociais, de financiar apenas ações “performativas” desenhadas para ridicularizar estes grupos.

No Guardian, Getty diz-se “orgulhosa” da ação destes ativistas pela “reflexão maior” que conseguiram provocar, negando ter qualquer tipo de “controlo direto” sobre as ações específicas que estes ativistas escolhem levar a cabo. “Acredito que a crise climática chegou a um ponto em que temos de tomar ações disruptivas para tentar mudar o rumo de um planeto cada vez mais inabitável”, escreve.

O bloqueio a Abbey Road e os protestos com marmita

Igualmente financiados pelo Fundo de Emergência Climática são os ativistas do Just Stop Oil, que voltaram a ser o centro das atenções mediáticas quando este mês atiraram duas latas de sopa de tomate ao quadro “Girassóis”, de Vicent Van Gogh, que está exposto em National Gallery, em Londres, reivindicando que o governo britânico decrete o fim de qualquer novo projeto de petróleo ou gás.

Ativistas ambientais vandalizaram quadro de Van Gogh em Londres

E já estão de volta às notícias: desta vez, vandalizaram uma figura de cera do rei Carlos III, no museu Madame Tussauds, em Londres, atirando-lhe um bolo de chocolate. Em comunicado, defenderam que esta é uma forma de tentar proteger “esta terra verde e agradável que é a herança de todos nós”, pedindo que se “páre com o petróleo e o gás”. Na sequência do protesto, quatro ativistas foram detidos.

Mais uma vez, não são novos nestas andanças: em julho tinham-se colado a um quadro do século XIX, a Carroça de Feno, de John Constable e à moldura do quadro “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci, na Royal Academy of Arts de Londres.

E, tal como no caso dos ativistas do Última Geração, os métodos não se cingem exclusivamente à vandalização de obras de arte: também os membros do Just Stop Oil bloquearam, recentemente, pontes e ruas em Londres, em protesto contra a decisão do Governo britânico de abrir uma nova ronda de licenciamento para a exploração de petróleo e gás no Mar do Norte.

A Just Stop Oil não é apenas um movimento, mas uma coligação de grupos que “trabalham juntos”, reunindo-se em 20 a 30 encontros públicos, pelo país, por semana, com o mesmo objetivo: “Assegurar que o governo [britânico] se compromete a acabar com todo o novo licenciamento e exploração, desenvolvimento e produção de combustíveis fósseis no Reino Unido”.

“É o primeiro passo para garantir a nossa sobrevivência”, lê-se no mesmo website, onde defendem a aposta em energias renováveis e uma “reflexão” sobre a forma como se viaja atualmente. Em outubro têm uma ação a decorrer que consiste num protesto, todas as manhãs, pelas 10h, à frente do número 10 de Downing Street — “tragam sopa e sanduíches!”, aconselha o website. E este domingo já tinham conseguido aparecer nas notícias ao bloquear a famosa Abbey Road (a rua de Londres que serve de cenário à capa do icónico disco dos Beatles com o mesmo nome).

Também os membros do Just Stop Oil se definem como “não-violentos”, explicando que é de esperar que haja detenções no decorrer dos seus protestos: “Ainda assim, há uma longa tradição no Reino Unido de os cidadãos, quando reconhecem que o Estado está a agir de forma imoral, agirem para prevenir males maiores. Ao abrir novas explorações de petróleo o nosso governo está a atingir-nos diretamente, por isso recorremos ao nosso direito legal e dever moral de agir”.

Este mês, em reação a um projeto de lei que está a ser trabalhado no Parlamento britânico e que pretende combater protestos comparados a “táticas e guerrilha”, estes ativistas avisaram: só serão dissuadidos se em causa estiver uma sentença de morte. A maior parte dos fundos destes grupos vem também do Fundo de Emergência Climática.