O Conselho das Finanças Públicas reviu a estimativa para o défice do Estado, que projeta agora que em 2023 seja de 1,1%, acima dos 0,9% indicados pelo Governo na proposta de Orçamento do Estado para 2023.

Em setembro (antes de se conhecer a proposta de Orçamento), o CFP apontava para a possibilidade do saldo orçamental em 2023 ser positivo. Agora, e depois de apresentada a proposta de Orçamento do Estado e o plano de medidas políticas, a entidade liderada por Nazaré da Costa Cabral explica que, “para 2023, os efeitos orçamentais das medidas mitigadoras também deterioram as perspetivas anteriormente publicadas em políticas invariantes que apontavam para uma situação de equilíbrio orçamental: o Governo estima um défice de 0,9% do PIB; um cálculo próprio do CFP aponta para 1,1% de défice, mas esse cálculo é particularmente sensível à evolução da outra despesa de capital, que caso venha a apresentar a redução prevista na proposta de orçamento reduziria o desequilíbrio em 0,4 pontos percentuais do PIB”. Esta descida da despesa de capital deve-se à medida “pontual” para financiar os custos de energia de gás às empresas feita em 2022 (1.000 milhões) e pela inexistência de dotações para a TAP.

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Ainda assim, os 1,1% de défice em 2023 representa uma melhoria face aos 1,9% de 2022, que a CFP passou a prever, acompanhando o Governo. E explica que “a redução do défice entre 2022 e 2023 deve-se em boa medida à redução dos custos com a pandemia e à não repetição em 2023 de algumas das medidas recentemente anunciadas para mitigar o efeito da inflação (de entre as quais se destaca o pacote “Famílias Primeiro” e os referidos 1000 milhões destinados a aliviar a fatura de gás das empresas)”. Acompanha este fator (de menos respostas às duas crises) o cenário macroeconómico, nomeadamente por via da inflação. Ambos garantem uma almofada de 8,8 mil milhões de euros para o saldo, “mais do que suficiente para acomodar o impacto desfavorável no saldo das medidas discricionárias de natureza permanente (7.280 milhões de euros) e o impacto igualmente desfavorável de uma maior despesa com medidas one-off [não repetíveis] em 2023 (436 milhões de euros)”. Mas a redução do défice está, no entanto, dependente da concretização de “outros efeitos” com impacto positivo de 1.050 milhões, que não têm a ver nem com as medidas de política nem com o cenário macro. Parte desses outros efeitos, explica o CFP, “decorre de medidas não especificadas na previsão, ou da utilização condicionada das dotações orçamentais que o decisor político tem ao seu dispor, num quadro de gestão discricionária que assegure os objetivos orçamentais.”

Estas cativações já mereceram duras críticas por parte de outro organismo — da UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental).

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Sem usar as mesmas palavras, o CFP fala na política de contas certas que Fernando Medina tem insistido, dizendo que “a melhoria prevista para o saldo permite aproximá-lo de uma posição mais perto do equilíbrio, permitindo criar uma margem de segurança capaz de responder às flutuações cíclicas normais sem incorrer em situação de défice excessivo.”  Para o Conselho das Finanças Públicas o orçamento encerra uma “postura da política orçamental restritiva procíclica”, sendo a vertente restritiva “mitigada pelo PRR que permite conferir à economia um estímulo direto superior a 1% do PIB que não se reflete no agravamento do défice”.

Sobre o Plano de Recuperação e Resiliência, o Conselho das Finanças Públicas espera que “se tenham criado as condições para uma efetiva concretização desse programa em investimentos que reforcem o potencial produtivo da economia portuguesa”. Ao contrário do que aconteceu em 2022, cuja execução do PRR “desapontou de forma evidente”. Mas garante que vai manter sob olhar atento o desenvolvimento da componente de investimento prevista no Orçamento.

Do lado das receitas, o CFP acredita que as projeções para as receitas fiscais inscritas na proposta orçamental são atingíveis. As receitas contributivas deverão apresentar um crescimento mais moderado do que o sugerido pelo padrão de evolução dos últimos anos. E o CFP desconfiam das receitas e contribuições não fiscais já que dependem do PRR.

Do lado da despesa, os custos com pessoal terá o maior aumento nominal desde 2013, mas há uma redução nos subsídios e prestações sociais. “No caso das prestações sociais as medidas apresentadas na POE/2023 implicam uma redução bastante mais expressiva, o que sugere que possa haver margem orçamental para a adoção de novas medidas de política.” Também o encargo com juros aumentará, o que acontece pela primeira vez desde 2014.

Mas há riscos orçamentais, desde logo a situação económica de alguns dos parceiros portugueses, o agravamento dos preços, que podem ter impacto não apenas ao nível da receita como também na despesa, pela eventual necessidade de reforçar os apoios ou prolongá-las, inclusivamente os relacionados com a pandemia.

Governo também reviu num mês o impacto de algumas medidas

Tal como aconteceu com as pensões, também ao nível do impacto das medidas de políticas legisladas em anos anterior houve uma revisão substantiva de setembro para outubro. O Conselho das Finanças Pública explica que “de acordo com a POE/2023, as medidas de política legisladas em anos anteriores implicam um agravamento do saldo orçamental de 5,4 mil milhões de euros em 2023, um valor muito superior ao indicado pelo Ministério das Finanças à Assembleia da República no passado mês de setembro”.

O Governo deve entregar, até final de agosto, à Assembleia da República o quadro de políticas invariantes (QPI) que chegou, este ano, apenas em setembro. E nesse documento apontava para que as medidas de política legisladas em anos anteriores implicassem um agravamento do saldo de 3,9 mil milhões de euros em 2023. Mas “este impacto negativo foi substancialmente revisto em alta na POE/2023: o Ministério das Finanças aponta agora para um agravamento de 5,4 mil milhões, mais 1,5 mil milhões do que o previsto em setembro”, sendo que “mais de três quartos dessa revisão ocorreu nos juros devidos pelas administrações públicas (+606 M€) e no consumo intermédio (+528 M€), rubricas em que o impacto previsto duplicou no espaço de um mês”.

Com esta mudança “substantiva”, o CFP diz que fica prejudicado o propósito de se apresentar antes do orçamento o quadro das políticas invariantes.

Fonte: CFP