O plano de ordenamento do espaço marítimo português foi aprovado em 2019, mas mais de 50% das águas nacionais continuam sem “um plano de gestão sustentável das atividades marítimas”, assinala um relatório divulgado esta segunda-feira.

O estudo do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) analisa, além do de Portugal, os planos de ordenamento do espaço marítimo (MSP na sigla em inglês) dos outros três Estados membros da União Europeia no nordeste do Oceano Atlântico (Espanha, França e Irlanda), tendo em conta uma abordagem baseada nos ecossistemas.

Embora Portugal tenha obtido a pontuação mais alta (46,2%) dos quatro, “o seu desempenho ainda está abaixo” do que o WWF considera necessário para classificar o país como “parcialmente bem-sucedido”, para o que contribui a falta de um plano específico para o arquipélago dos Açores.

Os MSP dos vários países foram avaliados de acordo com quatro categorias — inclusão da natureza, indicadores socioeconómicos, boa governança do oceano e abrangência do processo de ordenamento do espaço marítimo — e, na média de cada um dos países, Espanha é a segunda melhor classificada (39,6%), seguida da França (34,2%) e da Irlanda (32%).

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Portugal, que tem a maior zona económica exclusiva indivisa da UE, foi um dos poucos países que apresentaram os planos de ordenamento do espaço marítimo dentro do prazo marcado pela Diretiva europeia que os exigiu, mas o MSP nacional ainda não foi aplicado nos Açores, que representa 57% da ZEE portuguesa.

O relatório do WWF explica que, na altura em que o MSP português foi desenvolvido, cabia aos governos regionais ocupar-se das regiões ultraperiféricas, a Madeira e os Açores, e que no caso deste arquipélago foi atrasado o início do processo.

O atraso “compromete a capacidade do país de cumprir as metas de proteção e renovação marinha da Estratégia de Biodiversidade da União Europeia”, assinala.

“Além da sua dimensão e relevância militar geoestratégica”, os Açores contam com “ecossistemas marinhos únicos e frágeis e corredores azuis” (rotas migratórias), abrigando as suas águas “algumas das mais altas taxas de biodiversidade de cetáceos da Terra, com 28 espécies diferentes relatadas, incluindo baleias azuis e cachalotes”.

Ao mesmo tempo, o arquipélago tem “um conjunto diversificado e crescente de atividades marítimas, incluindo pesca, turismo e investigação científica, bem como outros setores emergentes, como a biotecnologia e as energias renováveis”, e deve acolher a maior Área Marítimas Protegida (AMP) de Portugal, lembra o estudo, para salientar a importância do seu MSP, cujo processo, agora nas mãos do governo nacional, tinha entrado “na fase de conceção e consulta às partes interessadas” na altura da elaboração do relatório do WWF.

“França, Portugal e Espanha devem acelerar o processo do MSP relativo às suas regiões ultraperiféricas para garantir que o seu património natural único seja preservado face aos desafios globais e regionais, como o aumento do nível do mar e a pesca excessiva”.

No caso francês estão em causa a Guiana Francesa, Guadalupe, Martinica, Mayotte, a Ilha da Reunião e a de São Martinho e no espanhol as Canárias.

Segundo o relatório do WWF, o caminho a seguir pelos referidos quatro Estados é “aplicar uma abordagem ecossistémica de longo prazo ao ordenamento do espaço marítimo que garanta que os impactos cumulativos das atividades humanas permaneçam dentro dos limites ecológicos em todas as zonas económicas exclusivas, incluindo as regiões ultraperiféricas”.

Assim como promoverem e melhorarem “os processos participativos e o envolvimento das partes interessadas para uma melhor governação e legitimidade das estratégias marítimas adotadas”, além de aperfeiçoarem “a cooperação transfronteiriça entre os Estados membros da UE” e colaborarem com os países vizinhos que não integram o bloco europeu, para que os planos do espaço marítimo sejam coerentes e coordenados em toda a região.

A organização não-governamental internacional analisa igualmente no estudo os MSP dos Estados membros no Mar do Norte (Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Países Baixos e Suécia), concluindo que os planos nacionais em ambas as regiões não garantem “uma economia azul sustentável na UE e a recuperação da natureza”.

Nenhum dos planos analisados tem uma boa resposta para as incertezas das alterações climáticas, “apesar das elevadas temperaturas do mar já perturbarem as capturas de cavala e salmão do Atlântico entre 1989 e 2017”, indica o relatório.

“A ciência é clara: as crises climáticas e da biodiversidade estão a afetar a pesca no maior mercado pesqueiro do mundo e já há algum tempo”, disse a responsável pela política oceânica do gabinete europeu do WWF, Antonia Leroy, citada no comunicado de divulgação do relatório.

Leroy considera serem “míopes os Estados membros cujas economias dependem de mares saudáveis” e que ignoram aquela “realidade no modo como gerem as suas zonas marítimas”, adiantando ser “irresponsável (…) para os trabalhadores”, quer os diretos quer os da cadeia de abastecimento.

“É necessária uma reformulação radical em futuros processos de ordenamento para atenuar as crises e proteger as nossas economias azuis”, defende.