Jerónimo de Sousa vai deixar o cargo de secretário-geral do PCP, terminando assim o ciclo de 18 anos à frente do partido. O histórico dirigente comunista vai ser substituído por Paulo Raimundo, que integra há mais de 20 anos os órgãos dirigentes do partido.
De resto, no último Congresso, Paulo Raimundo passou a integrar a Comissão Política, acumulando com um lugar no Secretariado. A acumulação de funções demonstra bem o peso do comunista no partido: além dele, só Francisco Lopes, Jerónimo de Sousa, Jorge Cordeiro e José Capucho têm assento nestes dois órgãos.
Os comunistas emitiram um comunicado onde anunciam a saída de Jerónimo de Sousa e explicam porquê: “Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, no prosseguimento de uma avaliação própria, refletindo sobre a sua situação de saúde e as exigências correspondentes às responsabilidades que assume, colocou a questão da sua substituição nas funções que desempenha, mantendo-se como membro do Comité Central do PCP”.
“Destaca-se, neste momento, a grande dedicação e empenho com que assumiu estas elevadas responsabilidades, por um longo período, exemplo de compromisso com o ideal e projeto do PCP, ao serviço dos trabalhadores, do povo e do país, da paz, da amizade e solidariedade entre os povos, bem como a disposição de prosseguir a sua ação militante”, acrescentam os comunistas.
“No seguimento da questão colocada, que se compreende face à situação concreta, e concluída a devida auscultação, o Comité Central do PCP terá uma reunião no próximo sábado, 12 de novembro, após o primeiro dia dos trabalhos da Conferência Nacional «Tomar a iniciativa, reforçar o Partido, responder às novas exigências», em que será feita a proposta da eleição de Paulo Raimundo para Secretário-Geral do PCP.”
Quem é Paulo Raimundo?
O novo secretário-geral do PCP é apresentado pelo partido como sendo de “uma geração mais jovem, com um percurso de vida marcado por uma experiência diversificada” e como alguém “preparado” para “uma responsabilidade que associa a dimensão pública à ligação, contacto e identificação com os trabalhadores e as massas populares e com o Partido, as suas organizações e militantes.”
De acordo com a nota biográfica disponibilizada pelos comunistas, Paulo Raimundo é filho de trabalhadores naturais do concelho de Beja. Nasceu em Cascais, concelho onde os pais trabalhavam à época, como funcionários do Estoril Futebol Clube, em cujas instalações também residiam. Viveu em Setúbal a partir dos três anos, onde os pais se fixaram e trabalharam.
“Frequentou a Escola Primária do Faralhão, freguesia do Sado, em Setúbal, uma escola construída durante a Revolução de Abril, na dinâmica do trabalho solidário e voluntário dos trabalhadores e populações da localidade. A sua infância é marcada pela vivência de rua e junto ao rio Sado. Desde muito novo acompanhou a mãe nos trabalhos que realizava na agricultura, nas limpezas e nas obras, e, num determinado período, passou efetivamente a trabalhar com a mãe, nomeadamente na apanha de marisco (…) Trabalhou em carpintaria, foi padeiro e animador cultural na Associação Cristã da Mocidade (ACM) na Bela Vista. “, pode também ler-se.
Aderiu à Juventude Comunista Portuguesa em 1991 e, quatro anos depois, em 1995, passou ao quadro de funcionários da JCP. É membro do PCP desde 1994 e funcionário do partido desde 2004.
Os sinais deixados por Jerónimo
A saída de Jerónimo de Sousa era, há muito tempo, discutida como uma hipótese a considerar dada a longevidade do comunista no cargo. Na última entrevista que deu, à agência Lusa, Jerónimo de Sousa parecia já antecipar este desfecho.
“Isto é quase um desabafo pessoal, os meus camaradas perdoar-me-ão, mas tive sempre esta ideia: ninguém é insubstituível”, começou por dizer o ainda secretário-geral comunista. “A lei da vida não perdoa a ninguém. Um dia será.”
“Eu, no caso concreto, tenho a ideia de que a vida tem um desfecho e que não deveria, enfim, esperar por qualquer reparo crítico em relação à idade”, admite, aproveitando para esclarecer: “Aqui, o fator fundamental é, de facto, a saúde. A saúde é um elemento central, por muitos planos, programas, ideais, sonhos, tudo isso que a vida comporta, há uma coisa que é implacável, que é a lei da vida.”
O momento escolhido pelo PCP não deixa de ser, no entanto, surpreendente. Assim como a escolha para substituir Jerónimo de Sousa: figuras como João Oliveira, João Ferreira ou até Francisco Lopes dominavam as bolsas de apostas.
Na última campanha para as legislativas, depois de Jerónimo de Sousa ter sido obrigado a parar para se submeter a uma cirurgia, o líder comunista foi substituído pela dupla João Oliveira e João Ferreira — este último acabaria por ser também obrigado a parar por causa da Covid-19, tendo sido substituído por Bernardino Soares.
Tal como Jerónimo de Sousa, Paulo Raimundo é apresentado como operário, o que indicia que o PCP terá querido manter o rumo e a estratégia definidos, em vez de optar por alguém como Oliveira (advogado) e Ferreira (biólogo).