O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Manuel Soares, defendeu esta quinta-feira que é preciso “combater todas as formas de desvirtuamento da justiça”, para que as instituições não fiquem ao serviço do “populismo justicialista”.

Com o mesmo vigor com que exigimos regras mais eficazes para o combate à corrupção, temos de ser capazes de combater todas as formas de desvirtuamento de justiça, que queiram transformá-la numa entidade qualquer militante ao serviço do populismo justicialista”, declarou.

O líder da Associação Sindical dos Juízes falava esta quinta-feira no Teatro Micaelense, em Ponta Delgada, na sessão de abertura da sexta edição das Jornadas Açorianas de Direito.

Manuel Soares reforçou que a justiça “não pode atuar a reboque” daqueles que “veem um corrupto em cada esquina do poder político”.

“Numa democracia saudável, a eficácia do combate à corrupção é essencial, mas igualmente essencial é que esse combate seja justo e se faça no rigoroso cumprimento do Estado de Direito”, avisou.

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O representante dos juízes portugueses alertou que as políticas de combate à corrupção devem abranger todos os setores da sociedade e não apenas o poder político.

Não podemos ter, nem temos, uma visão moralista sobre a necessidade de políticas anticorrupção direcionadas para a classe política. Como se do lado da justiça fosse tudo puro, e, do outro lado, da política e dos negócios, fosse tudo injurioso”, afirmou.

E prosseguiu: “Se há verdade dolorosa com que fomos confrontados recentemente é que também pode haver corrupção na justiça. E talvez pior ainda é que os órgãos que deviam cuidar disso com mais apego não parecem, às vezes, muito interessados em fazê-lo”.

Manuel Soares criticou o Conselho Superior de Magistratura que “demorou mais de um ano a aprovar um regulamento mal feito” e que “não previa sequer a fiscalização das declarações” dos juízes.

O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses defendeu ainda que é “normal, saudável e legítimo” os juízes terem intervenção pública, rejeitando que tal signifique uma “violação do principio da separação de poderes”.

“Descansem, pois, os saudosistas do tempo em que os juízes não levantavam a cabeça dos processos e estavam ausentes do espaço público de discussão”, vincou.

Associação Sindical dos Juízes critica falta de fiscalização às autarquias

O presidente da Associação Sindical dos Juízes criticou esta quinta-feira a falta de fiscalização nas autarquias para prevenir a corrupção, considerando um “passo em falso” a extinção da Inspeção-geral da Administração do Território na altura da troika.

Tenho dificuldade em perceber como é que uma política anticorrupção se limita a achar que fica tudo resolvido fazendo as leis. Nós somos bons a fazer leis. Mas depois falta muitas vezes a fiscalização na sequência da aprovação da lei para ver se ela está a ser rigorosa”, afirmou Manuel Soares à agência Lusa, à margem das Jornadas Açorianas de Direito, em Ponta Delgada.

O líder da Associação Sindical dos Juízes Portugueses lembrou que as autarquias são umas das “áreas de risco de corrupção”, porque “são muito mais difíceis de controlar”, uma vez que existem “centenas de órgãos autárquicos” nas Câmaras Municipais e nas Juntas de Freguesia de todo o país.

Manuel Soares lembrou que a Inspeção-Geral da Administração do Território “foi desmantelada na altura da troika, o que levou a que, “praticamente, deixassem de existir inspeções às autarquias”.

“Demos um passo em falso há uns anos quando desmantelamos a Inspeção-geral da Administração do Território, que tinha competência para aparecer nas câmaras e fazer fiscalizações e auditorias de surpresa”, afirmou.

Segundo disse, aquela inspeção-geral detetou “muitos casos de natureza corruptiva” nos municípios.

O juiz alertou para a necessidade de se realizarem mais fiscalizações nas autarquias, órgãos onde existem “muita contratação pública” e onde o “poder está diluído em muitos intervenientes”.

“Se já era uma área de risco passou a ser uma área ainda de maior risco com o desmantelamento desta inspeção que tinha essa competência para fiscalizar diretamente as autarquias”, defendeu.

Manuel Soares reconheceu que “agora” a falta de fiscalização é “ainda mais sensível” porque “vai entrar muito dinheiro” nas autarquias por via do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

O líder da associação sindical afirmou que “muitas vezes faltam meios” e “também vontade”, avisando que se “a raposa for colocada no galinheiro não se pode dizer para ela não comer as galinhas”.

“Muitas vezes percebemos que as decisões de atuar ou de emitir a atuação são tomadas por pessoas ou entidades que às vezes podem ter interesse em que o desfecho da investigação seja num ou noutro sentido”, assinalou.

A Inspeção-Geral da Administração do Território (IGAT) foi criada em 1986 como o organismo de exercício da tutela inspetiva sobre as autarquias locais.