Para o Governo, um Orçamento de “estabilidade”, “tranquilidade” e “diálogo”. Para a oposição, um documento que elenca uma série de medidas vazias e de “truques” que o Executivo decide sozinho, “fechado em si mesmo”. A discussão marcada para esta segunda-feira era sobre os primeiros artigos do Orçamento do Estado, mas os partidos aproveitaram o arranque da última etapa do debate orçamental para deixarem um aviso mais global: se o Governo quer deixar uma marca de diálogo apesar da sua maioria absoluta, esta semana será a última oportunidade para isso mesmo.

Se da direita e, desde o final da geringonça, da esquerda se esperavam críticas duras, desta vez o debate arrancou também com avisos do lado do PAN e do Livre — os novos aliados do Governo, que no ano passado ajudaram a viabilizar o OE e serviram ao PS como prova para mostrar que o “rolo compressor” da maioria absoluta é um mito e que o Executivo está disposto a dialogar e negociar.

Mas PAN e Livre, que já tinham avisado que seriam mais “exigentes” nesta negociação, quiseram pressionar o Governo, dias antes da votação final, marcada para sexta-feira. Rui Tavares alertou o PS do “risco político” de “não ouvir ninguém”, pedindo aos socialistas que deixem passar as suas propostas em áreas como a energia ou os transportes, que aproximariam Portugal “da linha europeia de apoio à economia contra a recessão”. Por isso, rematou com um aviso à maioria absoluta. “A bola está claramente do vosso lado: defender o país a e democracia é saber trabalhar em conjunto”.

Do lado do PAN, alertas semelhantes: também Inês Sousa Real acusou o Governo de ignorar o perigo de recessão no próximo ano e, lembrando as suas propostas para ajudar as famílias ou combater as alterações climáticas, perguntou ao Executivo se planeia “ficar fechado sobre si mesmo” ou ser “dialogante e acolher a visão dos partidos da oposição”. Caso contrário, o Governo poderá continuar a exibir os acordos na concertação social e com os sindicatos da função pública como prova da sua natureza dialogante, mas perderá os aliados que tinha no Parlamento, e que também mencionava para esse efeito.

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À esquerda, também houve pedidos para que o PS aprovasse propostas — mas sem grande esperança. Se o PCP ainda desafiou o PS a aprovar propostas que apresentou na área dos trabalhadores da Administração Pública, dos aumentos nos subsídios de refeição e transporte à reposição do pagamento do trabalho suplementar  (“só não avançam se o PS não quiser”), a maior parte das intervenções à esquerda resumiu-se mesmo a ataques ao documento do Executivo.

No Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua considerava que o “empobrecimento” do país é uma escolha que o Executivo faz neste Orçamento. No PCP, Bruno Dias garantia que o OE para 2023 é um “programa de aprofundamento de desigualdades e injustiças”. Por aqui, não haverá acordos possíveis.

PSD viu luz verde a uma proposta. Chega atira ao ponto fraco

À direita as críticas andam à volta da “realidade virtual” que dizem ver no Orçamento e também a “falta de ambição”. No Chega, André Ventura não perdeu a oportunidade para sublinhar que o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro Miguel Alves já não está no Governo, para acertar na bancada que esta manhã foi liderada pela ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares Ana Catarina Mendes.

Ventura disse, a propósito do caso, que este é o momento da legislatura em que o Governo está “mais fragilizado”. “A maioria absoluta foi pelos votos dos portugueses mas a justiça faz sempre o seu caminho e é justo que Miguel Alves já não esteja aqui hoje”, atirou o deputado do Chega. Foi o único a referir o episódio, ainda quente, durante toda a manhã.

A restante direita focou os seus ataques à proposta do Governo , que o PSD , por Hugo Carneiro, veio dizer que “adia o futuro e não resolve o presente”. Resumiu mesmo: “No meio de tantas promessas é caso para dizer: olha para o que digo e prometo, não olhes para o que eu corto ou tributo”.

Mas os sociais-democratas acabaram por ser os únicos que, nestas primeiras horas de debate na especialidade, conseguiram ver luz verde para uma proposta de alteração que avançaram sobre as pessoas idosas vítimas de violência. “Não é possível que não exista uma palavra neste OE direcionada a todas estas pessoas”, criticou a deputada Catarina Rocha Ferreira.

Na bancada do Governo, Ana Catarina Mendes acabou por intervir depois para dizer que “acompanha” esta proposta do PSD que propõe o desenvolvimento de estratégias de prevenção e combate à violência contra pessoas idosas, promovendo uma intervenção “o mais precocemente possível”. E que isso fique inscrito no Orçamento para o próximo ano.

Um dos maiores ataques deste lado do hemiciclo foi à proposta do Governo para as pensões, que Rodrigo Saraiva, da IL, insistiu tratar-se de um “truque” e numa “trapalhada”, desejando que seja desta vez “que a propaganda socialista é derrotada. Estão satisfeitos exatamente com quê? Não há uma reforma, ponto. Nem uma para amostra”.

Houve, no entanto, uma alteração de última hora que o Chega ainda esperou que fosse outra coisa. “Todas as bancadas foram contactadas à última hora pelo PS. Fiquei otimista, pensei que vinha aí a grande proposta do PS, que ia aumentar as pensões ou baixar a carga fiscal. Mas o que vinha aí era o perdão aos administradores da ERSE”, nomeadamente Vítor Santos ou Ascenso Simões, ironizou o deputado do Chega.

Na bancada socialista, o líder Eurico Brilhante Dias rejeitou essa versão. E diz que não foi essa a proposta que entrou à última hora (entretanto foi retirada pelo PS), mas antes a que permite uma atualização das pensões à taxa de inflação que for apurada no final do ano.