Em Portugal, o roubo da eletricidade e as perdas comerciais associadas têm vindo a crescer nos últimos anos, tendo passado de 61 mil casos em 2018 para 75 mil no ano passado. Esta evolução representa uma subida de 23% em quatro anos. Os dados apurados pela E-Redes, a empresa do grupo EDP que gera as redes de distribuição, até outubro, confirmam esta tendência de subida que é frequente acontecer em tempos de maiores dificuldades económicas. “O que os números nos têm mostrado é que existe uma correlação entre ciclos económicos adversos e o crescimento das perdas comerciais da rede elétrica, particularmente evidente no período de intervenção da troika no país”, afirma fonte oficial da empresa ao Observador.

Nesse período, o preço da eletricidade para as famílias subiu de forma acentuada por causa do agravamento em 2011 da taxa de IVA de 6% para 23%. Este ano, e num contexto de crise energética e inflação, a fatura elétrica deu um salto da ordem dos 40% nos últimos 12 meses, de acordo com dados do INE.

Os desvios da rede, também conhecidos como puxadas, são responsáveis por um terço das perdas totais de distribuição na rede elétrica. E, segundo a E-Redes, “é uma parcela significativa de energia que entra na rede e não é paga, penalizando toda a cadeia de valor associada, desde comercializadores ao Estado (por conta dos impostos não pagos) e sobretudo todos os clientes que pagam a sua fatura. O custo do kWh (kilowatt hora) pago por cada cliente está inflacionado cerca de 3% na componente de energia”. Esta situação provoca “prejuízos anuais suportados por todos os clientes pagantes, que rondam os 90 milhões de euros”, em quatro anos. Esta estimativa de perdas considera o preço médio de mercado entre 2018 e 2021 pelos comercializadores na compra de energia.

Uma parte desses roubos está associada à produção ilegal de canábis. No entanto, fonte oficial da E-Redes desvaloriza o impacto destes casos em Portugal que, afirma, têm um impacto muito menor do que em Espanha.

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Produção ilegal de canábis. Em Espanha vale 20% da energia desviada, em Portugal é menos de 1%

As estimativas feitas pela filial da Endesa que gere redes de distribuição em Espanha apontam para que o roubo de energia para a cultura de marijuana represente 20% de toda a energia recuperada (após a interrupção do desvio ilegal) em 2021. O consumo desviado ascendeu a 1,5 TWh (terawatt hora) no ano passado, o que equivale ao abastecimento anual da cidade de Palma de Maiorca, quase meio milhão de habitantes, durante um ano.

Fonte oficial da E-Redes diz que, por cá, foram identificados 11 casos em 2021 e 16 casos este ano (até outubro). Mas a perda de energia associada a estes casos — 0,8 GW h (gigawatts por hora) no ano passado e 1,1 GW por hora este ano — representa menos de 1% do total da energia recuperada, ainda que tenham sido identificados casos “com impacto agregado relevante e que chegam à E-Redes após intervenções policiais”.

A empresa esclarece ainda que estes casos estão associados a produção em armazém industrial, ou seja que têm alguma dimensão e que não incluem situações relacionadas com pequenas produções promovidas em casa e que acontecem com clientes de baixa tensão.

Segundo dados divulgados em Espanha pela subsidiária da Endesa, e-distribución — que distribui energia a oito comunidades autónomas (Andaluzia, Baleares, Canárias, Extremadura, Castela e Leão, Galiza e Ceuta) e a 21 milhões de habitantes —, os casos de fraude elétrica para alimentar culturas ilegais de marijuana duplicaram nos últimos quatro anos, correspondendo a 1.636 processos de fraude. São 4,5 ligações ilegais por dia à rede elétrica que mostram “um problema crescente em muitas localidades do país”. Estas puxadas feitas em vivendas e apartamentos representam também um risco de segurança para os vizinhos, acrescenta a empresa que diz que o consumo médio de uma plantação de canábis equivale ao de 80 famílias.

Em Portugal, o roubo de eletricidade é um crime previsto no código penal, classificado como apropriação indevida de energia elétrica que tem penas de multa ou prisão até três anos.

Apesar de um aumento da capacidade de deteção de irregularidades, que permitiu reduzir as perdas comerciais de energia, apesar do maior número de fraudes detetadas, a E-Redes sublinha que o travão legal em vigor em 2021 e no primeiro trimestre deste ano (por causa da pandemia), que impedia a interrupção do fornecimento, contribuiu para que não houvesse consequências para os infratores em muitos dos casos identificados. Essa limitação legal condicionou a atividade operacional e a energia recuperada por perdas comerciais. Esse condicionamento foi entretanto removido.