Enviado especial do Observador em Doha, no Qatar

Pé ante pé, Portugal foi passando todas as barreiras que algumas seleções foram criando a si próprias a nível de fase de grupos com finais que acabaram por ser dramáticos para quase todas. Como a Dinamarca, que no terceiro encontro tinha a qualificação a seu favor, fez um encontro pior do que os dois anteriores e acabou na última posição do grupo depois de perder com a Austrália. Como a Bélgica, que não aprendeu com a pobre exibição frente ao Canadá, perdeu com Marrocos e discutiu sem sucesso a passagem com a Croácia. Como a Espanha, que depois de uma goleada e um empate parecia ter o primeiro lugar controlado mas perdeu de forma surpreendente com o Japão, afastando com isso também a Alemanha. Após dois triunfos a abrir, havia um último objetivo da Seleção que passava pela liderança que estava em discussão com o Gana.

António Silva estreia-se num Mundial. Matheus Nunes, Vitinha e Horta titulares e Ronaldo também no onze

A posição dificilmente poderia ser mais favorável e no limite Portugal podia até perder com a Coreia do Sul sem que isso beliscasse o seu primeiro lugar. Aliás, o único cenário capaz de impedir isso era uma derrota e um triunfo dos africanos diante do Uruguai que pudesse anular a desvantagem no confronto dos golos. Era complicado mas neste Mundial já aconteceu de tudo um pouco, com essa possibilidade perigosa de haver um cruzamento nos oitavos com o Brasil que estava numa situação semelhante à de Portugal mas jogaria apenas a seguir com os Camarões (à mesma hora havia Suíça-Sérvia). Por isso, e dentro de previsíveis alterações por questões físicas ou de gestão disciplinar dos amarelos, Fernando Santos não queria perder o foco.

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“Queremos ganhar e ficar em primeiro lugar do grupo contra um adversário de grande qualidade, que fez dois jogos tremendos onde os resultados não acompanharam a qualidade. Tem a ver com o Paulo Bento, uma equipa muito rápida, com gente na frente, laterais ofensivos e que nunca dão o jogo por perdido. Vai ser extremamente difícil. Nós queremos continuar a evoluir. Planeámos construir uma equipa com determinada características, não vamos ser uma equipa de contra-ataque, nem em circunstância alguma o faria. Não sei se viram o último jogo da Coreia do Sul mas são muito perigosos, colocam cinco ou seis jogadores na área. Se não circularmos rápido, colocamo-nos numa situação difícil. Eles são muito fortes na pressão e basculação e nós temos de responder às suas virtudes”, destacara o selecionador, ciente de que essa liderança valeria ainda o bónus que mais desejava nesta fase: 24 horas a mais de descanso para os oitavos.

Para Paulo Bento, técnico português que defrontava pela primeira vez a Seleção após a passagem de quatro anos pela Federação entre 2010 e 2014, a missão era entre o complicada e impossível depois de uma partida com o Gana onde conseguiu recuperar de uma desvantagem de dois golos, sofreu um terceiro mas teve mais do que oportunidades para até ganhar. E não era um jogo qualquer, além do facto de estar na bancada por castigo após expulsão: foi na derrota com a Coreia do Sul em 2002 que fez a última internacionalização por Portugal, foi com Ronaldo que fez a única época do avançado na Liga portuguesa, foi com Fernando Santos que cumpriu a última temporada como jogador quando estava no Sporting, foi com Pepe ou Patrício (além de Ronaldo) que só caiu nas meias do Euro-2012 nas grandes penalidades frente à Espanha. “Sim, vou cantar o hino da Coreia e o de Portugal. Nasci português, morrerei português”, salientara na véspera.

Ainda assim, tratando-se de um dia limite para decidir mais duas seleções que ficavam afastadas da prova, um outro tema voltou a andar na conferência de antevisão de Portugal: o golo de Bruno Fernandes que no início parecia ter sido de Ronaldo, foi atribuído pela FIFA ao médio e depois confirmado pela Adidas, que concebe a bola deste Mundial, por não haver mesmo toque do avançado. “Se eu pedi para ser do Ronaldo? Eu? Então mas eu não conheço ninguém na FIFA…”, riu-se Fernando Santos, acrescentando que nem ele nem ninguém da Federação pediu isso. “Recorro ao André Silva, que disse que se o golo fosse atribuído a si ficaria satisfeito”, rematou. Ronaldo ficou mesmo sem o golo, mantendo apenas um remate certeiro e de grande penalidade neste Mundial. E essa era também a curiosidade para este encontro, no sentido de perceber até que ponto o capitão seria poupado ou se continuaria no onze para tentar bater mais recordes.

O capitão continuou, sendo apenas um dos cinco resistentes a par de Diogo Costa, Pepe, João Cancelo e Rúben Neves. Logo à cabeça, a primeira ilação que se pode tirar é que a profundidade do plantel no binómio qualidade-quantidade está acima de todas as últimas fases finais. Depois, e percebendo-se que havia André Silva e Gonçalo Ramos no banco, a segunda ilação é que Ronaldo quis jogar depois de um período após o jogo com o Uruguai onde chegou a estar apenas a fazer trabalho específico de ginásio sem relvado (embora a última palavra seja sempre do selecionador, claro está). Por fim, a terceira ilação que resultaria daquilo que o jogo pudesse dar. E se Dalot pode ter ganho um lugar, a exibição de Vitinha foi monstruosa. A jogar, a passar, a assistir, às vezes só a estar porque ganhou uma noção de espaço no campo que lhe permite ter um tempo diferente de tudo e todos. Abriu o livro. Era uma enciclopédia. Mas tinha tantas páginas em falta ou rasgadas que acabou sem o último capítulo que foi para uma corajosa Coreia do Sul. Ficou a lição: um jogo tem 90 minutos. E a partir de agora, a eliminar, desligar de quando em vez do jogo vai custar mais.

O encontro começou com duas posses longas de ambas as equipas que permitiram perceber bem todos os posicionamentos com e sem bola. No caso de Portugal, Ricardo Horta começava mais à direita na frente com João Mário a fazer o mesmo à esquerda mas com muito jogo por dentro para que fossem os laterais a dar a largura, Vitinha e Rúben Neves quase em linha sem posse variando quem subia para pressionar mas com o médio do PSG a ficar mais enquanto Neves descia para o meio dos centrais à procura de uma primeira fase de construção e Matheus Nunes mais adiantado. E foi o jogador do Wolverhampton, a descair neste caso na direita, a dar o primeiro sinal de perigo com um cruzamento largo para terra de ninguém que nem por isso deixou de merecer um ok de Ronaldo por perceber que a intenção era procurá-lo (4′). Logo no minuto seguinte, o golo: grande passe longo de Pepe, melhor trabalho ainda de Dalot pela direita e assistência para o remate cruzado de primeira de Ricardo Horta na área que não deu hipóteses a Kim Seung-gyu (5′).

A Coreia do Sul era talvez a equipa entre as três que Portugal defrontou nesta fase do Mundial que mais e melhores posses de bola conseguia mas a Seleção, por si só confiante, ganhara aquele aditivo anímico que lhe permitia manter o controlo mesmo sem bola da partida, aproveitando todas as oportunidades para visar a baliza como aconteceu com João Cancelo numa jogada individual da esquerda para o meio a deixar o lateral contrário no chão com uma tentativa de surpreender a rematar cruzado travada pelo guardião sul-coreano que neste caso já deixou Ronaldo a pedir a bola (15′). A Coreia do Sul tentava reagir à desvantagem que a colocava fora do Mundial mas o máximo que conseguiu até perto da meia hora foi um golo anulado após grande defesa de Diogo Costa no seguimento de um lance pelo ar (17′). Era aí que estavam as únicas debilidades nacionais, foi por aí que os asiáticos empataram com o experiente Kim Young-gwon, na sequência um canto, a aproveitar uma bola que bateu em Ronaldo para marcar na pequena área (27′).

Diogo Dalot estava muito bem no jogo, ganhando todos os duelos 1×1 com a estrela contrária Son. Pepe era a voz da liderança, dando estabilidade ao estreante António Silva e procurando sempre o passe mais direto como o que originou o 1-0. Do meio-campo para a frente, começava a a falar ligação. O empate foi como que uma wake up call à equipa, que teve Ronaldo a permitir a defesa a Kim Seung-gyu num lance em que estava fora de jogo (30′), Diogo Dalot a ter mais uma daquelas jogadas à Cancelo da direita para o meio a rematar de meia distância para nova defesa apertada (34′) e Vitinha a chutar também de fora mas à figura depois de uma segunda bola ganha logo à saída da área (35′). Son ainda tentou sacudir a pressão mas era Portugal que estava por cima, com Ronaldo a falhar a recarga a defesa incompleta de Kim na sequência de um remate de Vitinha (42′) e Horta a rematar com perigo para nova intervenção do guarda-redes (45′).

O desalento de Ronaldo era notório, com mais uma reação de insatisfação depois de mais uma bola que não lhe chegou de Matheus Nunes que preferiu arriscar o remate já perto do intervalo. Tirando um período entre o primeiro e o segundo golos do jogo, Portugal estava melhor, trocava bem mas perdia clarividência quando chegava ao último terço também pela organização defensiva sul-coreana. Foi por isso que Fernando Santos decidiu manter a equipa ao intervalo, foi assim que a Seleção voltou a ter uma entrada mais forte com mais uma oportunidade que seria depois anulada por fora de jogo em que Vitinha ganhou espaço descaindo na esquerda, cruzou de forma milimétrica para Ronaldo mas o avançado pegou mal na bola e falhou (52′).

Mesmo a precisar de ganhar, a Coreia do Sul não demorou a perceber que a melhor forma que tinha de ir à procura da vitória era defender de forma organizada e explorar os espaços que ficavam para as transições. E como o jogo não saía disto, foi Fernando Santos que assumir um outro destino com uma tripla substituição no encontro com as saídas de Rúben Neves, Matheus Nunes e Ronaldo para as entradas de João Palhinha, Rafael Leão e André Silva. No entanto, e nos minutos que se seguiram à substituição e quando Portugal ainda se procurava reorganizar nas novas substituições, Diogo Costa foi chamado a duas intervenções mais apertadas a remates de Son (65′) e de Hwang In-beom (67′). A seguir, voltou a “normalidade”.

O reposicionamento de jogadores trouxe maior largura na frente com Rafael Leão à esquerda, Horta ainda à direita e André Silva no meio, ficando Palhinha mais fixo como 6 tendo João Mário e Vitinha à sua frente. Era desta forma que Portugal tentaria o ataque ao triunfo nos 20 minutos finais, sendo que a própria Coreia do Sul começava a dar sinais de desgaste num jogo que faz a diferença sobretudo pela intensidade que coloca em campo. Não conseguiu. Depois, acrescentou Bernardo Silva e William Carvalho por Vitinha e João Mário na tentativa de refrescar um meio-campo que seria determinante para consolidar essa tentativa de acerco final à  baliza contrária mas acabou por ser a Coreia do Sul a marcar no primeiro minuto de descontos o golo da reviravolta numa jogada que começou num canto nacional com assistência de Son após correr vários metros com bola controlada para Hwang Hee-chan finalizar isolado frente a Diogo Costa.