O Congresso norte-americano deu hoje a aprovação final à legislação que protege os casamentos entre pessoas do mesmo sexo, um passo considerado monumental numa batalha de décadas pelo reconhecimento nacional de tais uniões.
Cabe agora ao Presidente Joe Biden assinar a medida, que exige que todos os Estados reconheçam os casamentos entre pessoas do mesmo sexo, um alívio para centenas de milhar de casais que se casaram desde a decisão do Suprema Tribunal, em 2015, que legalizou estes casamentos em todo o país.
A legislação bipartidária, que foi aprovada por 258-169 com quase 40 votos republicanos, também protege as uniões inter-raciais ao exigir que os Estados reconhecessem os casamentos legais independentemente de “sexo, raça, etnia ou origem nacional”.
Após meses de negociações, o Senado aprovou o projeto na semana passada com 12 votos republicanos.
No debate antes da votação, vários membros gays do Congresso falaram sobre o que isso significaria para si e suas famílias. O deputado Chris Pappas disse que estava prestes a casar com o amor da sua vida no próximo ano e que é “impensável” que o seu casamento não seja reconhecido em alguns estados.
O deputado Mark Pocan disse que ele e seu marido deveriam poder visitar-se no hospital como qualquer outro casal e receber benefícios conjugais, “independentemente de o nome de seu cônjuge ser Samuel ou Samantha”.
O deputado David Cicilline afirmou que a ideia de igualdade no casamento costumava ser uma “ideia rebuscada, agora é a lei do país e apoiada pela grande maioria dos americanos”.
Os democratas aprovaram o projeto de lei rapidamente na Câmara e no Senado após a decisão da Supremo Tribunal, em junho passado, que anulou o Direito Federal ao aborto. Essa decisão incluiu uma opinião concordante do juiz Clarence Thomas, que sugeria que o casamento entre pessoas do mesmo sexo também deveria ser reconsiderado.
A legislação perdeu algum apoio republicano desde julho, quando 47 republicanos votaram a favor – uma demonstração robusta e inesperada de apoio que deu início a negociações no Senado. Mas a maioria desses legisladores manteve-se firme.
“Para mim, isso é apenas estar de acordo com a Constituição”, disse a deputada republicana Ann Wagner, do Missouri, que votou a favor nas duas vezes. Ela rejeitou os argumentos do Partido Republicano de que tal afetaria os direitos religiosos daqueles que não acreditam no casamento entre pessoas do mesmo sexo.
A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, presidiu à votação como um de seus últimos atos de liderança antes de deixar o cargo em janeiro próximo. Pelosi disse que a legislação garantirá que o Governo federal nunca mais se interponha no caminho do casamento com a pessoa que se ama.
A legislação não exigiria que os Estados permitissem que casais do mesmo sexo se casassem, como agora faz a decisão “Obergefell v. Hodges”, de 2015 do Supremo Tribunal.
Esta decisão é um caso histórico de direitos civis no qual o Supremo dos Estados Unidos decidiu que o direito fundamental de casar é garantido a casais do mesmo sexo tanto pela cláusula do devido processo quanto pela cláusula de proteção igualitária da 14ª. Emenda à Constituição dos Estados Unidos. Porém exigiria que os Estados reconhecessem todos os casamentos que eram legais onde foram realizados e protegeria as atuais uniões do mesmo sexo se a decisão de “Obergefell” fosse anulada.
Embora não seja tudo o que os defensores da igualdade de casamentos desejam, a aprovação da legislação representa um divisor de águas. Apenas há uma década, muitos republicanos fizeram campanha abertamente para bloquear os casamentos entre pessoas do mesmo sexo; hoje, mais de dois terços do público, apoiam-no.
Ainda assim, a maioria dos republicanos se opôs à legislação e alguns grupos de defesa conservadores fizeram “lobby” agressivo contra ela nas últimas semanas, argumentando que a legislação não faz o suficiente para proteger aqueles que querem recusar serviços para casais do mesmo sexo.
“O projeto perfeito de Deus é de facto o casamento entre um homem e uma mulher para toda a vida”, disse o deputado Bob Good, antes da votação.
“E não importa o que você pensa ou o que eu penso, é o que a Bíblia diz”, referiu.
A deputada Vicky Hartzler implorou aos colegas que votassem contra o projeto de lei, que ela disse prejudicar o “casamento natural” entre um homem e uma mulher.
“Vou dizer as minhas prioridades”, afirmou Hartzler. “Proteja a liberdade religiosa, proteja as pessoas de fé e proteja os americanos que acreditam no verdadeiro significado do casamento”.
Os democratas no Senado, liderados por Tammy Baldwin do Wisconsin e Kyrsten Sinema, do Arizona, tentaram abordar essas preocupações do Partido Republicano negociando uma emenda que esclarece que a legislação não afeta os direitos de indivíduos ou empresas que já estão consagrados na lei atual. O projeto de lei alterado também deixa claro que o casamento é entre duas pessoas, um esforço para afastar algumas críticas de extrema-direita de que a legislação poderia endossar a poligamia.
No final, vários grupos religiosos, incluindo a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, apoiaram o projeto de lei. A igreja mórmon afirmou que apoiaria os direitos dos casais do mesmo sexo, desde que não infringissem o direito dos grupos religiosos de acreditar no que quiserem.
A votação de hoje ocorreu quando a comunidade LGBTQ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queers) enfrentou ataques violentos, como o tiroteio no início deste mês numa discoteca gay no Colorado, que matou cinco pessoas e feriu pelo menos 17.