A História demonstra, todos os dias, que a vida das crianças está muito longe de ser igual e linear. “Ouvi falar de um pequeno rapaz hiperativo que estava constantemente a jogar futebol no corredor do hotel dos refugiados. Ia dormir com a bola e tudo”, conta Josip Bajlo antigo treinador do NK Zadar, citado pelo portal BeSoccer. O cenário é inóspito e não parece corresponder à ideia que se tem de “primeiros passos no futebol”, mas corresponde às raízes do rapaz que se viria a tornar na maior referência do chamado desporto rei croata.

Por ter sido o único a intrometer-se no prémio de melhor jogador do mundo, ao fim de uma década de domínio de Cristiano Ronaldo e Messi, Luka Modric não pode ser um lugar comum onde estaciona a banalidade. O médio do Real Madrid é também ele um fora de série – talvez não seja considerado de “outro mundo” como outros da sua era, mas terá espaço na coleção dos melhores futebolistas que muitos adeptos viram jogar.

A Guerra da Independência da Croácia – que decorreu entre 1991 e 1995 e opôs croatas pró-independência e forças jugoslavas controladas por sérvios – afetou muito os priemeiros anos de vida de Modric. O sérvios ocuparam, em 1991, a cidade de Jasenice à qual pertencia a aldeia de Zaton Obrovacki, onde o futebolista cresceu. Luka partilhava o nome com o avô e costumava acompanhá-lo quando era criança na realização das tarefas de pastor. Tinha seis anos quando o avô foi morto por mercenários sérvios ao pastar vacas e ovelhas. Antes de dispararem sobre o homem de 66 anos, os militares gritaram “isto é uma terra sérvia!”. Com a casa cercada por um campo de minas por rebentar e carregando a tristeza da morte do avô, Luka Modric fugiu com os pais e a irmã para Zadar, onde encontraram um espaço que recebia refugiados. No Hotel Kolovare, relata o site Goal, onde a família ficou sete anos, Luka fazia malabarismos com a bola entre as paredes que o protegiam dos projéteis. 

Começou a fazer-se jogador na escola onde andava por incentivo de Josip Bajlo e acabou mesmo por integrar os escalões de formação do NK Zadar. As idas para os treinos eram marcadas pelos mísseis a cair que, com regularidade, faziam o jovem alterar a trajetória rumo a um abrigo. Aos 17 anos, Modric mudou-se para o Dinamo Zagreb depois do seu clube de infância, o Hajduk Split, o ter descartado por ser demasiado pequeno. A partir daí, foi sempre a subir. Seguiu-se uma experiência no Tottenham até que chegou ao Real Madrid, onde permanece até hoje e onde venceu cinco Ligas dos Campeões, além do troféu de melhor jogador do mundo. Usou o primeiro salário para dar aos pais uma casa onde morarem.

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Talento geracional

Luka Modric prepara-se para disputar com a Croácia as meias-finais do Mundial do Qatar. Pela frente, a Argentina. É o último grande desafio ao serviço da seleção para vários jogadores croatas. Já em 2016, os croatas disseram adeus a uma das maiores referência do futebol do país, Darijo Srna. Mandzukic e Corluka também já deixaram os relvados. Em 2020, foi a vez de Ivan Rakitic renunciar à seleção. Perisic, Vida e Lovren não devem tardar a fazer o mesmo.

Ainda assim, a Croácia apresenta-se no Qatar com uma convocatória em que a média de idades dos jogadores é de 27,4 anos. Atualmente, a seleção possui sangue novo de jogadores como Josko Gvardiol, Josip Stanisic ou Lovro Majer, numa renovação que já está em curso.

Luka Modric lidera os mais novos e os mais velhos nesta fase de transição em que a equipa se encontra. O médio é o capitão de uma seleção que chega ao Mundial 2022 com o peso de ter sido segunda classificada na última edição da prova. Mais uma vez, mesmo partindo da segunda linha dos favoritos, as meias-finais já são uma realidade.

O que parece certo é que o último jogo da Croácia no Qatar vai ser igualmente a última aparição de Luka Modric num Mundial. Ainda nos oitavos de final, o selecionador croata, Zlatko Dalic, substituiu o médio no prolongamento, correndo o risco de ver a sua maior estrela “viver” os últimos momentos na competição no banco de suplentes. Assim não aconteceu, mas resta pouco tempo para o mundo do futebol poder desfrutar de um talento geracional na maior competição de seleções.