Foi uma oposição praticamente a falar em uníssono que questionou, esta terça-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, sobre o esquema de corrupção na Defesa que terá sido montado quando ainda era governante dessa pasta. As perguntas repetiram-se, fosse recorrendo exatamente às mesmas palavras ou a fórmulas mais variadas, durante todo o debate parlamentar. Em resposta, o ministro insistiu que se não fosse o Executivo nem sequer haveria investigação judicial — mas não convenceu os partidos.

O debate tinha sido convocado pelo Chega, que foi, de resto, o partido mais corrosivo na avaliação do caso que desencadeou a operação Tempestade Perfeita, na sequência da qual foram detidos cinco quadros da Defesa, incluindo o ex-Diretor-Geral de Recursos de Defesa Nacional, Alberto Coelho, considerado pela acusação o cabecilha do esquema. Para André Ventura, um “escândalo terrível” que motivou “um desprestígio enorme nas Forças Armadas” e “abalou os alicerces” da instituição.

As dúvidas lançadas por Ventura e repetidas pelo resto da oposição sobre um negócio que “cheirava a suspeita” e que mostra “como o poder se protege a ele próprio” — sobretudo no que se refere ao aumento do custo das obras no Hospital Militar de Belém, no pico da pandemia, de cerca de 750 mil euros para perto de três milhões — foram quase sempre as mesmas.

As empresas e os negócios da Defesa investigados, as escutas que destaparam as luvas e o homem no centro da Tempestade Perfeita

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Eram elas: porque é que João Gomes Cravinho, consciente das suspeitas, decidiu não reconduzir Alberto Coelho no cargo, mas nomeá-lo para a Empordef Tecnologias de Informação, uma empresa detida a 100% pelo Estado; se aceitou aumentar as despesas nas obras do Hospital Militar; porque é que “desvalorizou” as suspeitas quando foi questionado pelos deputados sobre elas, no Parlamento, e quando tinha sido alertado para elas por um despacho do seu próprio secretário de Estado, Jorge Seguro Sanches; e porque é que demorou seis meses a enviar as conclusões de uma auditoria da Inspeção-Geral de Defesa Nacional que apontava para irregularidades no processo para o Ministério Público.

Para o Chega, dúvidas suficientes para provar que Cravinho não tem condições para se manter no lugar — aqui, sim, foi o único partido a chegar a essa conclusão.

No resto da oposição, as mesmas perguntas, acompanhadas por outras considerações: o PSD acusaria o ministro de “ocultar ilegalidades” e agir “envolto em nebulosidade”; a Iniciativa Liberal, de ter escolhido abdicar do papel de ministro e “esconder, desvalorizar e ignorar informações sensíveis”; o Bloco de Esquerda apontou para a “menorização e desvalorização” que o PS faz de casos graves; o PAN falou num caso “preocupante”; o PCP referiu a “perversidade” de manter as mesmas pessoas nestes cargos (Coelho é um dos mais antigos quadros de topo do Ministério da Defesa Nacional) e o Livre perguntou ao ministro se com a informação que tem hoje voltaria a decidir da mesma maneira.

O ministro acabaria por responder parcialmente aos deputados. De forma direta, negou cabalmente ter autorizado qualquer acréscimo de despesa no Hospital Militar. Mas a oposição não ficou convencida com o resto das explicações, que passaram por: 1) lembrar que, mesmo com o tal desfasamento de seis meses, enviou as informações que tinha ao Tribunal de Contas, à Inspeção Geral de Defesa Nacional e ao Ministério Público (“se isto é desvalorizar não sei qual é a sua bitola para que algo seja valorizado…”, atiraria a Jorge Paulo Oliveira, do PSD); 2) recordar que no verão de 2021 surgiram notícias “graves” sobre as empresas contratadas neste processo e foi então que pediu uma reavaliação da primeira auditoria, feita em fevereiro de 2021, cujo resultado foi entender que as suspeitas deviam ser enviadas ao Ministério Público, coisa que fez em agosto;  3) recordar que perante estas dúvidas decidiu “não reconduzir” Alberto Coelho no cargo, ponto fim ao seu ciclo de 19 anos como quadro de topo na Defesa; 4) explicar que, perante a sua experiência profissional e sem haver na altura “suspeita de dolo”, acabou por nomeá-lo para outra empresa.

Nada que convencesse a oposição, que insistiu até ao fim numa preocupante “desvalorização” e até um “encobrimento” dos múltiplos alertas que se iam acumulando. O ministro contrariou sempre esta ideia e as “teorias” que foram surgindo sobre a sua atuação, sublinhando ter sido “pró-ativo e prudente” e reclamando até os louros pelo desencadeamento da investigação judicial: “Se estamos hoje com a matéria a ser investigada nas instâncias próprias é porque agi em conformidade com a informação que tínhamos no respeito pela lei e o bom nome do Ministério da Defesa”.

No PS, que, tal como o Governo, se focaria em atacar o “aproveitamento político” do Chega e da oposição, sobretudo à direita, sobre esta matéria, e até de a acusar de não ter “sentido de Estado”, uma conclusão semelhante: “Se houve intervenção deve-se sobretudo à atitude pronta, zelosa, diligente e responsável do secretário de Estado e do ministro”. Nesse ponto, as avaliações da oposição e do PS sobre a atuação do Governo continuam a ser diametralmente opostas.