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Marco Paulo e o pão com manteiga, o pai que não queria artistas, o sucesso e a doença: "Nunca imaginei ver a minha vida numa série"

Este artigo tem mais de 1 ano

Minissérie sobre a vida e a carreira de um dos maiores cantores populares de Portugal estreia-se no dia 1 de janeiro na SIC. Falámos com Marco Paulo sobre ver-se ao espelho através do pequeno ecrã.

"Quem não gosta da figura que é o Marco Paulo, pode vir a surpreender-se com a minissérie", diz Manuel Pureza, realizador da série que conta com Diogo Martins no papel do cantor (além de Fernando Luís)
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"Quem não gosta da figura que é o Marco Paulo, pode vir a surpreender-se com a minissérie", diz Manuel Pureza, realizador da série que conta com Diogo Martins no papel do cantor (além de Fernando Luís)

Armanda Claro

"Quem não gosta da figura que é o Marco Paulo, pode vir a surpreender-se com a minissérie", diz Manuel Pureza, realizador da série que conta com Diogo Martins no papel do cantor (além de Fernando Luís)

Armanda Claro

O pequeno João Simão da Silva, sempre que podia, ia para a porta da escola do irmão mais velho em Mourão à espera de um pão com manteiga e de um copo de leite. “Só gostava de cantar, nem que fosse por um copo de leite ou rebuçados, gostava era de cantar.” O lanche simples, recordado como uma memória carinhosa que tanto se quer viva, é lembrada ao Observador por João Simão, hoje, ontem e amanhã, conhecido como Marco Paulo, um dos grandes cantores românticos portugueses, com milhões de discos vendidos. Agora, aos 77 anos, vai recordar a sua vida através de uma minissérie sobre si na SIC, produzida pela Coral, com estreia marcada para o próximo dia 1 de janeiro de 2023. “Nem durmo, estou ansioso”, diz o cantor.

A história será contada em três atos, percorrendo a infância, adolescência e vida adulta de Marco Paulo, numa viagem desde os anos 40, quando nasceu, até ao primeiro cancro, passando pela sua incursão militar e a relação difícil com o pai, que nunca aceitou que o cantor decidisse escolher esta carreira. Fernando Luís e Diogo Martins (entre outros) dão-lhe corpo, Manuel Pureza (“Pôr do Sol”) deu-lhe a realização, Vera Sacramento, Susana Tavares e Sara Rodi (Coral) deram-lhe o argumento. Já Marco Paulo, que assistiu a algumas cenas gravadas em sua casa, em Sintra, só pediu uma coisa: “Não queria coisas inventadas, nem nada que não fosse verdade. Não queria que alterassem nada que eu contei”, conta o intérprete de êxitos como “Eu Tenho Dois Amores”.

Apesar da já longa carreira, Marco Paulo “nunca imaginou” que a sua vida pudesse dar uma série. Nesse exercício, por vezes feliz, por vezes duro, o cantor não sabe bem como vai reagir no próximo domingo quando for espectador da sua própria vida através do pequeno ecrã. Especialmente se o tema for os seus pais. O seu primeiro cancro. A passagem pelo serviço militar. No fundo, tudo. “As discussões que tinha com o meu pai, que não queria artistas lá em casa, preferia que fosse para as finanças como ele. Só que eu não queria saber, fazia mini concertos aos empregados nos sítios onde trabalhava. Não sei como vai ser. A minha mãe salvou-me de ser afogado em Arcos de Valdevez. Não sei como vou reagir quando estiver a ‘reassistir’ ao meu primeiro cancro.  Ao funeral da minha mãe. Ou quando estive na Guiné. Vai ser muito difícil”, conta.

Armanda Claro

Mesmo sendo difícil, a expectativa pessoal é grande. É por isso que Marco Paulo acredita que nestes três episódios estará uma versão da sua história “nunca antes contada”, sem ser nos dois livros que lhe são dedicados. E que o veículo audiovisual para a contar, neste caso a estação de televisão com quem tem mantido uma relação profissional nos últimos anos — o cantor tem apresentado o programa “Alô Marco Paulo” há cerca de ano e meio — é o acertado para chegar a mais gente. Será? Talvez nem seja preciso, segundo o próprio. “Sempre fui um cantor de versões para o grande público. Não de músicas portuguesas porque não tinha quem escrevesse para mim. Houve gente a casar ao som das minhas músicas, quem fosse para o Algarve ao som dos meus discos, há quem os reproduza em festas. A minha música atravessou gerações”, afirma.

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“Quem não gosta da figura que é o Marco Paulo, pode vir a surpreender-se com a minissérie”

Apesar de serem já mais de cinquenta anos de carreira para o intérprete português, o realizador Manuel Pureza teve apenas doze dias em 2022 para filmar três episódios inteiros. O desafio, apesar do prazo apertado, foi aceite assim que a possibilidade de fugir aos moldes canónicos das séries biográficas em Portugal, muito novelescas e profundamente romantizadas, teve luz verde. Se há pouco tempo, ao menos tenta-se algo diferente. No fundo, mostrar um “álbum de fotografias” em movimento, com saltos temporais, a piscar o olho a séries como o “Winning Time” da Netflix. “Vamos ter quatro versões dele. Quisémos misturar formatos, filmámos cenas em VHS dos anos 80, outras em Super 8 dos anos 60. O objetivo foi equilibrar uma certa pedagogia natural deste tipo de projetos, mesmo estando ‘reféns’ do que aconteceu. Mas acho que esta série foge à gramática das séries de época que se fazem por cá”, conta ao Observador. É voltar a um lugar onde se foi feliz, com as câmaras, os posters, as revistas e o cabelo encaracolado de Marco Paulo. O eterno cabelo.

Nessa fuga a uma linguagem mais semelhante às novelas portuguesas, a tríade de argumentistas sabia que também não queria algo que costuma ser habitual neste tipo de conteúdos: uma caricatura. Foram feitas duas “longas conversas” com Marco Paulo, em sua casa, e uma revista por todas as entrevistas, artigos e concertos disponíveis. “A SIC pediu-nos uma abordagem diferente para captar um público mais abrangente, então foi decidido fazer uma viagem não cronológica pela carreira dele, ou seja, mais do que retratar a vida do cantor, decidimos contar a história do João Simão”, afirma Vera Sacramento. Que história é essa? “A de um menino pobre que tem um aparelho vocal inacreditável e é levado por esse talento até ter o mundo a seus pés”, acrescenta Manuel Pureza.

Armanda Claro

É claro que para a pesquisa deste projeto, não seria compreensível apenas entrevistar o interlocutor principal. A equipa da minissérie chegou até pessoas do pequeno círculo próximo de Marco Paulo, como Mário Martins, “um dos obreiros da carreira dele”, ou mesmo Tony, “seu compadre e engenheiro de som durante muito tempo”. “Podes confiar numa só versão, mas amanhã pode mudar. Foram muitos anos de carreira. Por exemplo, o Marco não queria fazer salas grandes, mas sempre que ia, esgotava. Cá e lá fora. No pós-cancro, esgota sempre. É inacreditável. Num certo sentido, ele é o primeiro cantor popular do pós-25 de abril”, alega Manuel Pureza.

Também foi importante estabelecer um antes e um depois da doença de Marco Paulo. Para Manuel Pureza, que pertence a geração que agora tem 40 anos, há mudança, mesmo a nível de exposição pública, na carreira deste artista. Razão para só agora um projeto destes ver a luz do dia. “Ele é menos reservado hoje em dia, porque depois do primeiro cancro desaparece da vida pública durante algum tempo. Entretanto, muda de editora e vemos um outro Marco Paulo”, diz.

Se o objetivo não era caricaturar um artista, seguindo muito a onda do que se tem visto quer nas redes sociais, quer até nas participações televisivas recentes de Marco Paulo, a encomenda podia tornar-se, além da falta de tempo, num berbicacho. Especialmente porque, tal como conta o realizador, “Marco Paulo insere em si várias opiniões”. Amores, ódios, indiferença ou orgulho. São muitas, de facto. E muitos anos, de facto. Por isso, Manuel Pureza teve também outra preocupação: que os atores não imitassem a figura de Marco Paulo. “Sim, isso seria um erro, aí limitavamo-nos a registar a sua vida, o que não queríamos. O objetivo era que a minissérie, se tivesse um protagonista que não se chamasse Marco Paulo, teria outro. O projeto tem de valer para lá dele”, afirma. Será então uma história universal que até os crónicos haters vão gostar? “Quem não gosta da figura que é o Marco Paulo, pode vir a surpreender-se com a minissérie”, finaliza Manuel Pureza.

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