O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, enviou esta quarta-feira o decreto do Parlamento que despenaliza a morte medicamente assistida para o Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva da sua constitucionalidade.
O Presidente justifica o envio, numa mensagem publicada na página da Presidência da República na Internet, recordando que “em 2021, o Tribunal Constitucional formulou, de modo muito expressivo, exigências ao apreciar o diploma sobre morte medicamente assistida — que considerou inconstitucional — e que o texto desse diploma foi substancialmente alterado pela Assembleia da República”.
“A certeza e a segurança jurídica são essenciais no domínio central dos direitos, liberdades e garantias”, considera.
Na mensagem, Marcelo escreve que “por outro lado, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, parece não avultar, no regime substantivo do diploma, um interesse específico ou diferença particular das Regiões Autónomas”.
O Presidente recorda, contudo, que “quanto ao acesso dos cidadãos aos serviços públicos de Saúde, para a efetiva aplicação desse regime substantivo, o diploma só se refere a estruturas competentes exclusivamente no território do Continente (Serviço Nacional de Saúde, Inspeção-Geral das Atividades de Saúde, Direção-Geral de Saúde), em que não cabem as Regiões Autónomas”.
“O que significa que diploma complementar, que venha a referir-se aos Serviços Regionais de Saúde, que são autónomos, deverá, obviamente, envolver na sua elaboração os competentes órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira”, defende.
Marcelo tomou esta decisão logo depois de a Assembleia da República ter enviado hoje o decreto para o Palácio de Belém.
O Parlamento confirmou esta tarde a decisão do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, de rejeitar a reclamação apresentada pelo Chega por inexatidões no decreto sobre a morte medicamente assistida, tendo enviado de seguida o decreto para o Presidente.
A Assembleia da República aprovou em 9 de dezembro a despenalização da morte medicamente assistida em votação final global, pela terceira vez, com votos da maioria da bancada do PS, IL, BE, e deputados únicos do PAN e Livre e ainda seis parlamentares do PSD. Votaram contra a maioria da bancada do PSD, os grupos parlamentares do Chega e do PCP e seis deputados do PS.
Quatro deputados (três do PSD e um do PS) abstiveram-se. No total, estiveram presentes em plenário 210 deputados.
O decreto tem por base projetos de lei do PS, IL, BE e PAN, e estabelece que a “morte medicamente assistida não punível” ocorre “por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”.
Desta vez, em comparação ao último decreto, os deputados deixaram cair a exigência de “doença fatal”.
O decreto estabelece ainda um prazo mínimo de dois meses desde o início do procedimento para a sua concretização, sendo também obrigatória a disponibilização de acompanhamento psicológico.
Depois da publicação do decreto no Diário da Assembleia da República, o Chega reclamou da redação final da lei da eutanásia, alegando que as alterações feitas levantam “indesejáveis dúvidas e incertezas jurídicas de interpretação normativa”.
Em 23 de dezembro esta reclamação foi rejeitada pelo presidente do parlamento, Augusto Santos Silva, que justificou que a redação final não modificou o pensamento legislativo, limitando-se a aperfeiçoar texto e estilo.
Na anterior legislatura, a despenalização, em certas condições, da morte medicamente assistida, alterando o Código Penal, reuniu maioria alargada no parlamento, mas foi alvo de dois vetos do Presidente da República: uma primeira vez após o chumbo do Tribunal Constitucional, na sequência de um pedido de fiscalização de Marcelo Rebelo de Sousa. Numa segunda vez, o decreto foi de novo rejeitado pelo Presidente depois de um veto político.
O chefe de Estado vetou este último decreto em novembro de 2021, realçando que o novo texto utilizava expressões diferentes na definição do tipo de doenças exigidas e defendeu que o legislador tinha de optar entre a “doença só grave”, a “doença grave e incurável” e a “doença incurável e fatal”.
Na nota justificativa desse veto, Marcelo escreveu que no caso de a Assembleia da República querer “mesmo optar por renunciar à exigência de a doença ser fatal, e, portanto, ampliar a permissão da morte medicamente assistida” — algo que acontece neste decreto – optará por uma “visão mais radical ou drástica” e questionou se isso corresponde “ao sentimento dominante na sociedade portuguesa”.