Na história do cinema português, nunca um filme de produção nacional tinha sido nomeado para os Óscares da Academia – nunca, até agora: o filme “Ice Merchants”, da autoria do realizador João Gonzalez, fez história esta terça-feira ao ser indicado para a estatueta dourada na categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação.
Short but sweet, these are your nominees for Animated Short Film. #Oscars #Oscars95 pic.twitter.com/9jf89RPT3Z
— The Academy (@TheAcademy) January 24, 2023
Com cerca de 14 minutos de duração, o filme conta a história de uma dupla, um pai e filho que todos os dias saltam de paraquedas da sua casa, situada no alto de um precipício, para venderem o gelo que produzem durante a noite na aldeia que fica no fundo da planície.
Estreado em maio como parte da Semana da Crítica do Festival de Cannes, logo aí o filme de Gonzalez fez história ao vencer o Prémio da Crítica, tornando-se no primeiro filme português de animação a vencer na história do festival. Agora, meses depois de conquistar a Europa, “Ice Merchants” segue para Hollywood com o objetivo de trazer para Portugal o prémio mais prestigiado da indústria cinematográfica.
“Ice Merchants” é, deste modo, uma exceção no cinema nacional; historicamente, Portugal e os Óscares têm andado de costas voltadas, encontrando-se apenas em raras ocasiões. Prova disso é que Portugal detém um recorde de participação na categoria de Melhor Filme Internacional: é o país que mais títulos propôs sem conseguir uma única nomeação (ao todo foram 39 as candidaturas falhadas).
Carlos Mattos, o engenheiro (e não só) que ganhou dois diplomas científicos
No total (e sem contar com “Ice Merchants”), ao longo de 95 anos de prémios da Academia, apenas quatro portugueses foram nomeados. O caso de maior sucesso será porventura o de Carlos de Mattos. Nascido em Angola e com uma carreira que remonta à década de 1970, envergou vários chapéus ao longo das décadas: produtor, empresário, empreendedor e engenheiro.
Foi com este último que alcançou a maior honra alguma vez conseguida por um português em Hollywood: em 1983 ganhou em conjunto com o operador de câmara Cons Tresfon, um diploma especial técnico pelo desenvolvimento da “Tulip Crane”, a primeira grua para operar câmaras projetada para poder ser instalada em qualquer lugar. Três anos mais tarde, viria a repetir a proeza, ao vencer em parceria com Edward Phillips um diploma científico pelo desenvolvimento do sistema CamRemote – uma câmara controlada à distância por controlo remoto, que foi adotada por realizadores como Francis Ford Coppola em “Cotton Club” (1984) e Akira Kurosawa em “Ran – Os Senhores da Guerra” (1985).
Luís Sequeira, o figurinista preferido de Guillermo del Toro
Fora das menções nas categorias mais técnicas (entregues antes da grande noite), outros artistas portugueses estiveram indicados às estatuetas na cerimónia propriamente dita. O exemplo mais recente é o de Luís Sequeira. Nascido no Canadá, filho de pais portugueses, o luso-canadiano com dupla nacionalidade é o figurinista de eleição de Guillermo del Toro, responsável pelo guarda-roupa das produções do cineasta mexicano há já vários anos.
Em 2018, o seu nome esteve entre os nomeados para Melhor Guarda Roupa pelo filme “A Forma da Água” (que venceu nessa noite o Óscar de Melhor Filme, e Del Toro o de Melhor Realizador), acabando por perder para “Linha Fantasma” do realizador Paul Thomas Anderson. O ano passado, voltou a ser indicado pelo trabalho noutra produção de Del Toro – “Nightmare Alley – O Beco das Almas Perdidas”; desta feita perdeu para o remake da Disney “Cruella”.
Eduardo Serra, o diretor de fotografia de “As Asas do Amor”
Luís Sequeira não é o único português repetente. Eduardo Serra, diretor de fotografia que, em Portugal, trabalhou com realizadores como Fernando Lopes, José Fonseca e Costa, João Mário Grilo e Luís Filipe Rocha, conseguiu duas nomeações na categoria de Melhor Fotografia: em 1998 por “As Asas do Amor” e em 2004 pela “Rapariga com o Brinco de Pérola” (em ambas as vezes saiu derrotado, por “Titanic” e por “Master & Commander”, respetivamente).
Daniel Sousa e “Feral”, de 2014
Por último, há ainda a registar uma nomeação portuguesa na categoria para a qual “Ice Merchants” foi nomeado: o português Daniel Sousa foi indicado em 2014 à estatueta de Melhor Curta-Metragem de Animação pelo seu filme “Feral”, produzido nos Estados Unidos e co-realizado com Dan Golden. Na altura, o filme do cineasta português saiu derrotado. Resta esperar para saber se “Ice Merchants” terá mais sorte.