A existência de um só controlador na torre de controlo aéreo era “uma prática usual”, à data em que o GPIAAF (Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários) elaborou o relatório sobre um incidente que ocorreu no aeroporto Francisco Sá Carneiro em abril de 2021. A indicação foi avançada pelo presidente do GPIAAF, Nelson Oliveira, durante uma audição na comissão parlamentar de Economia e Obras Públicas sobre a referida investigação onde também foi avaliado um caso no aeroporto de Ponta Delgada que ocorreu em maio de 2021.
Este relatório, ainda numa visão preliminar e sem contraditório, começou por ser divulgado pelo jornal Expresso, tendo sido conhecida a versão final já nos últimos dias de 2022 e que confirmou a existência de “falhas graves” no controlo aéreo que levaram à autorização de descolagens e aterragens de aeronaves quando estavam ainda na pista veículos de inspeção ou manutenção. Nos dois incidentes, o GPIAAF concluiu que o acidente foi evitado por acasos excecionais” e fora do sistema ATS (Serviço de Tráfego Aéreo) — que devia prevenir essas situações — e por intervenção de terceiros.
Relatório final confirma falhas graves no controlo de tráfego aéreo no Porto e em Ponta Delgada
Mas para Nelson Oliveira, o que “está em causa não é, necessariamente, que deveriam estar mais controladores”, mas sim o “não existir um critério objetivo para definir quando pode estar apenas um controlador”, sublinhou. Ou seja, não foram estabelecidas regras claras pela NAV (Navegação Aérea) que definam em que condições poderá estar apenas um controlador. Alertou ainda durante a audição realizada esta quarta-feira, a pedido do PSD, PCP e Chega, que “não se pode decidir o número de controladores sem uma análise de risco que tenha estudado quando isso pode acontecer”. As situações de controlador único aconteciam em períodos temporais de pouco ou nenhum tráfego.
No incidente no Porto, que podia ter provocado uma colisão entre um avião de carga que estava a descolar e um veículo de fiscalização da pista, houve “uma desconformidade com as normas”. Os meios presentes não eram os desejados, nem os que estavam planeados e previstos, na medida em que estavam escalados quatro controladores para aquele dia e um foi dispensado devido ao pouco tráfego (estávamos num período temporal ainda sob o efeito da pandemia), referiu aos deputados o investigador da área da aviação.
O relatório concluiu que o controlador iniciou o seu “turno às 16h48 e permaneceu na torre sozinho e ininterruptamente até ao evento (20h48), em funções na posição de torre e atuando em posição unificada com controlo de aeródromo e serviço de aproximação”. E não descartou a existência de meios de distração como telemóveis e televisões. Controlador sozinho? É possível sem voos e/ou com tecnologia.
Segundo o mesmo documento, a “prestação de serviços de controlo de tráfego aéreo com controlador único e sem supervisão contraria os princípios base de segurança operacional no transporte aéreo comercial”.
Aos deputados, o investigador José Figueiredo admitiu que é possível, do ponto de vista da segurança, estar apenas um operador na torre quando não existem voos, por exemplo em períodos noturnos. Mas realça também que nesse cenário são necessários meios tecnológicos. “A tecnologia é o ponto essencial para garantir que, tendo sido feita a devida análise de risco”, seja possível essa realidade.”
José Figueiredo revelou ainda aos deputados que não há mais investigações de segurança comparáveis no passado, porque não existem registos de outros incidentes com esta gravidade em Portugal. Mas a situação detetada nesta investigação também acontece em outros países, referiram os dois responsáveis do GPIAAF.
Para o presidente do GPIAAF, nos “sistemas de segurança que assentam apenas no fator humano não temos uma fiabilidade a 100% e é certo que mais cedo ou mais tarde vão ocorrer falhas” e essas falhas têm de ser geridas. A utilização de meios tecnológicos é o que “nos deixa menos dependentes da falha humana”.
Os dois incidentes investigados que foram integrados no mesmo relatório apontam para deficiências na gestão do pessoal e dos turnos de trabalho, como uma “prática sistemática” de manipulação dos registos de presença dos controladores aéreos e falhas na monitorização interna e controlo de processos.
Relatório de segurança aeronáutica denuncia falhas no controlo aéreo em Portugal
Nelson Oliveira lamentou ainda a fuga que divulgou “pequenas partes” do documento para causar “soundbites” do projeto de relatório quando ele ainda estava em fase de sigilo porque essa divulgação, que diz ser inédita na história do gabinete, acaba por “nos condicionar. Imagine que uma parte divulgada tinha um erro que tinha de ser corrigido? Criava-se a perceção de uma alteração de conclusões que geraria suspeitas.”
ANAC tem rejeitado recomendações
As entidades visadas nesta investigação — a NAV, a ANA e a ANAC (Autoridade Nacional da Aviação Civil) colaboraram com a investigação do GPIAAF. Já sobre o seguimento das recomendações do relatório, que não é obrigatório, existe um prazo de 90 dias para que isso ocorra e que ainda está a decorrer.
Questionado sobre o grau de aceitação das recomendações deste organismo no passado, Nelson Oliveira revelou que a ANAC rejeitou, até ao momento, todas as recomendações de segurança do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários. “Na aviação temos 0% de taxa de aceitação nas recomendações feitas à ANAC. Na NAV temos umas aceites outras não”. Em relação a este relatório, “existe uma intenção da NAV de avançar com um conjunto de ações”.
Segundo Nelson Oliveira, “as organizações estão no seu direito de não aceitar as recomendações” e não existe consequência se não o fizerem.