São 17 hectares a norte do rio Trancão que, no próximo mês de agosto, vão encher-se de jovens peregrinos que virão a Lisboa participar na Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Os terrenos são propriedade da Galp e serviram, entre 1956 e 1997, para armazenar combustíveis. A petrolífera cedeu-os agora à Câmara Municipal de Loures para que possam fazer parte do recinto do evento que vai trazer o Papa a Portugal. E garante que o faz sem quaisquer contrapartidas. Mas os terrenos têm de ser devolvidos tal como foram emprestados.
Ao Observador, a petrolífera afirma que a cedência dos terrenos “é temporária, prevendo-se a sua restituição até ao final do ano, uma vez concluída a JMJ2023”. Questionada sobre quais as contrapartidas desta cedência, a Galp garante que não existem. “O terreno foi cedido a título gratuito, sem qualquer contrapartida, para a realização de um evento marcante para os municípios de Loures e Lisboa, bem como para todo o país“, justifica a empresa.
A cedência não foi, no entanto, suficiente para que a Galp conste na lista de parceiros e patrocinadores do evento, ao contrário de outras empresas. 21 no total, como o Pingo Doce, o BPI, a Caixa Geral de Depósitos ou a Abreu Advogados que, segundo avança esta sexta-feira o Jornal Económico, doaram um total de 4,9 milhões de euros à Fundação JMJ, em dinheiro ou em serviços prestados.
Terrenos “aceitáveis” por um ano
Por terem servido para depósito de combustíveis durante décadas, os terrenos tiveram de ser descontaminados. O espaço está inoperacional desde 1997 e, segundo a petrolífera, “desde a desativação do parque, no final da década de 90, a Galp contratou uma empresa independente internacional que realizou três campanhas de caracterização do terreno: 1998, 2008 e 2016”.
Já em 2020, adianta a empresa, “na sequência do anúncio da realização da JMJ2023, foi realizado um novo estudo, por parte de uma empresa independente internacional, que concluiu que as condições atuais do terreno são aceitáveis para a ocupação prevista durante a JMJ2023, não levantando questões de saúde pública”.
O referido estudo, ao qual o Observador teve acesso, tem data de 24 de setembro de 2020, e refere que foram produzidos relatórios sobre a separação por zonas (uma zona de cedência à Câmara de Loures mais a zona de armazenagem), sobre as análises de risco incluindo cenários para a JMJ, a atualização de referências e guidelines e a atualização de bases de dados toxicológicas. Durante o período da JMJ não há riscos identificados, mas depois será necessário fazer uma operação de remediação. No mesmo relatório, a Galp dá a entender que os terrenos poderão vir a ser utilizados para projetos imobiliários.
No que toca à contaminação existente, foi feita uma análise de sensibilidade ao tempo de exposição, por ingestão, contacto e inalação de partículas, chegando-se à conclusão que “não existe risco” para exposições de 24 horas para utilizadores do espaço e de oito horas por dia para trabalhadores de construção “durante os dias indicados no período de um ano”.
“De acordo com a Análise Quantitativa de Riscos, o único cenário com risco é a futura utilização como zona verde e apenas para a via de ingestão e contacto com solo superficial“, lê-se no relatório. O documento acrescenta que “esta via de exposição é eliminada se não existir contacto direto entre os utilizadores e o solo contaminado (exemplo: caso o percurso nesta zona se faça através da solução de passadiço sobrelevado” ou existir pelo menos um metro de solo não contaminado à superfície”).
E, “tendo em conta a utilização prevista para este local, (passadiço sobrelevado projetado para o Parque Ribeirinho), esta via de contacto poderá deixar de estar disponível (dependendo do traçado do passadiço e das regras de acesso que venham a ser definidas)”.
No capítulo sobre as operações de remediação no parque de armazenagem, o estudo destaca que “não havendo restrições de prazo, a biorremediação é a opção mais eficiente e sustentável”. A Galp acrescenta que já foi feita uma consulta ao mercado no sentido de se avançar para uma remediação “para os valores objetivos de uma futura utilização residencial”, com a metodologia de biopilhas, sendo necessários quatro meses para estudos preliminares e projeto e mais 42 meses para a execução. Estes prazos não incluem a obtenção de licenciamentos e as autorizações das autoridades.
Só que os prazos para a biorremediação, refere o estudo, não são compatíveis com a JMJ. Mas, de acordo com os cenários estudados, “a realização da JMJ nestes terrenos, no seu estado de descontaminação atual, não pressupõe riscos para os utilizadores”. A JMJ pressupõe, sim, “custos de preparação dos terrenos (movimentação de terras, demolição de estruturas, entre outras) a serem suportados pela entidade gestora da JMJ”.
Mas os custos para a Fundação podiam não ter ficado por aqui. Segundo o estudo, a realização da Jornada antes da biorremediação “pressupõe custos adicionais na fase de biorremediação (movimentação de terras e análises laboratoriais) a serem suportados pela entidade gestora da JMJ”. Questionada pelo Observador sobre estes custos, fonte oficial da Galp garante que não chegou a ficar prevista esta exigência à Fundação. “Não existem contrapartidas para a cedência do terreno e o texto da questão supra citada não consta do acordo entre as partes”, diz a mesma fonte, realçando que, no entanto, “a entidade gestora terá apenas de devolver o terreno como o encontrou, ou seja, sem restos das infraestruturas do evento ou, caso sejam retiradas as vedações, com as vedações repostas”.
Ao Observador, a Galp acrescenta que “planeia retomar o processo de remediação dos solos após a sua devolução por parte da Câmara Municipal de Loures, que se estima venha a acontecer até dezembro 2023”.
Galp não confirma exploração imobiliária
Os “próximos passos” determinados no relatório, assinado em setembro de 2020, eram a “elaboração de um novo protocolo entre a Petrogal e a Câmara Municipal para a utilização da zona do antigo parque durante as JMJ”, a dinamização do Plano de Pormenor, que aguardava termos de referência e e tinha “prazos em atraso faca ao definido em Protocolo assinado” e, por fim, o “apoio da Câmara Municipal no licenciamento do projeto de biorremediação para a zona do antigo Parque de Armazenagem junto das autoridades competentes”.
Já sobre o futuro dos terrenos pós Jornada, a Galp mantém o secretismo. A empresa diz que o espaço não fará parte do parque verde que Loures tem planeado para a zona e, questionada diretamente sobre um possível interesse na exploração imobiliária, por si ou por terceiros, desses terrenos, a Galp não responde, reiterando apenas que “a cedência dos terrenos foi realizada sem qualquer contrapartida”.
Os terrenos da Galp são apenas uma parte do espaço de Loures que vai ser ocupado pela JMJ, que totaliza 70 hectares. Esta semana a câmara aprovou a adjudicação das obras de reabilitação dos terrenos, que vão custar 5,3 milhões de euros. “Será toda a infraestruturação daqueles 70 hectares, onde vão passar grande parte do tempo os peregrinos da Jornada. Basicamente, é terraplanagem, modelagem e infraestruturação”, disse à Lusa o presidente da câmara de Loures, Ricardo Leão.
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