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A ação do Papa Francisco é considerada pela maioria dos responsáveis eclesiásticos entrevistados pela Comissão para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças como “crucial para a viragem” na forma como a Igreja passou a encarar o problema.
O relatório da comissão divulgado na segunda-feira sublinha que “a consciência de que a revelação destes crimes veio de cima, do topo da hierarquia, é quase unânime, tal como o presente desejo e a necessidade de os enfrentar”.
Para muitos, “veio também de fora, através da comunicação social, da pressão da sociedade civil ou de contactos internacionais”, com a comissão a notar que, “curiosamente, dos discursos não se pode depreender que a consciência do problema tenha surgido no desempenho da sua função, de uma descoberta autónoma feita no terreno”.
Segundo a comissão liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, há “um grupo significativo de entrevistados que destaca sem hesitação o papel e a força nova do Papa Francisco, afirmando, por exemplo: ele sim ‘atacou de frente, os outros não sabiam como fazer'”.
Um dos bispos citados assume que foi depois de 2000 que tomou consciência, “começou a falar-se mais e a assumir-se. Bento XVI não teve força nem apoio” e por isso renunciou.
Para outro, “o Papa Francisco apanhou a caminhada desde Bento XVI”, enquanto um terceiro comenta que “há que aceitar o que está a acontecer”.
O nosso modelo é o Papa Francisco, que encara o problema de frente. Com Jesus, aprendemos que só a verdade liberta”, acrescenta.
O relatório cita outro prelado, para quem se está “perante uma viragem histórica: ‘uma coisa a que se assistia na sombra, no silêncio, altamente prejudicial para as pessoas e para as instituições. Estamos num momento de verdade, de clarificação, de prática e vida diferentes. O passado tem de ser reparado'”.
Considerando que o Papa Francisco foi o “grande motor“, com uma “destemida coragem“, um dos bispos ouvidos sublinha os obstáculos com que o pontífice se confronta com a sua nova abordagem ao problema.
A minha adesão ao programa do Papa Francisco é total. Mas há uma resistência grande e sistémica da Cúria Romana — não se sabia a dimensão do problema, as dimensões dramáticas do problema da vítima”, reconhece.
Também um superior de uma congregação sublinha que “o Papa Francisco tem sido extraordinário”.
São João Paulo II já tinha começado… e Bento XVI defende que só a verdade salva e começa a tomar medidas, as primeiras medidas (…). Mas, o Papa Francisco toma a questão muito a sério… não há falinhas mansas…”, diz outro responsável por uma congregação religiosa, enquanto um terceiro alerta para a importância da ideia de “tolerância zero” proclamada pelo papa argentino.
E, no relatório, há também responsáveis eclesiásticos que se mostram chocados com a realidade dos abusos de menores e com o encobrimento praticado na Igreja ao longo de décadas.
“Como se tornou sistémico o encobrimento?!”, pergunta um deles, referindo-se logo de seguida ao “clericalismo, o pior pecado da Igreja”.
Nunca pensei que houvesse uma coisa destas! (…) Tenho vergonha de ser homem. Uma criança dá-me o sentido de beleza, inocência e ternura (…)”, afirma um dos bispos.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja Católica em Portugal iniciou a recolha de testemunhos de vítimas em 11 de janeiro de 2022, tendo validado 512 denúncias das 564 recebidas, o que permitiu a extrapolação para a existência de um número mínimo de 4.815 vítimas nos últimos 72 anos.
A Conferência Episcopal Portuguesa vai tomar posição sobre o relatório, de quase 500 páginas, numa Assembleia Plenária agendada para 03 de março, em Fátima.