Especialistas forenses determinaram que o poeta chileno Pablo Neruda morreu envenenado, há 50 anos, e preveem entregar o relatório pericial na quarta-feira, revelou a família do escritor.

Os peritos internacionais vão revelar que a bactéria encontrada nos restos mortais do laureado com o Nobel da Literatura em 1971 “estava no seu corpo à hora da morte”, o que demonstrará que foi “envenenado” 12 dias após o golpe militar de 1973.

“Sabemos agora que o ‘clostridium botulinum’ não deveria estar no esqueleto de Neruda. O que significa isto? Que Neruda foi assassinado, que houve intervenção de agentes estatais em 1973“, disse Rodolfo Reyes, sobrinho do poeta, em declarações à Efe.

Esta revelação é a mais recente reviravolta num dos grandes debates do Chile pós-golpe de Estado. A posição oficial há muito defendida é a de que Neruda morreu de complicações decorrentes de cancro da próstata, mas o antigo motorista do escritor, Manuel Araya, argumentou durante décadas que ele havia sido envenenado.

A bactéria, responsável pelo botulismo, foi encontrada em 2017 num dos molares de Neruda por outro painel de cientistas, que na altura rejeitou logo a versão da ditadura, negando que a causa de morte do poeta fosse o cancro avançado da próstata de que padecia desde 1969.

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O ‘clostridium botulinum’ é um bacilo normalmente encontrado no solo, mas especialistas da Universidade McMaster (Canadá) e da Universidade de Copenhaga (Dinamarca) concluíram, no relatório a ser apresentado esta semana, que “não se infiltrou no corpo de Neruda através do seu caixão”, mas que já o tinha antes de morrer.

A incógnita que permanece é a de saber como e por quem a toxina botulínica foi introduzida no corpo do autor de “Vinte poemas de amor e uma canção desesperada”.

“A bala fatal de Neruda foi encontrada, estava no seu corpo. Quem a disparou? Isso será visto em breve, mas não há dúvida de que Neruda foi morto, por intervenção direta de terceiros”, salientou Rodolfo Reyes.

Grande parte da família de Neruda apoia a versão de Manuel Araya, segundo a qual o poeta foi envenenado através de uma injeção no abdómen, por um agente secreto do regime que se fez passar por médico na Clínica Santa Maria em Santiago.

“Neruda não estava gravemente doente, apenas tinha cancro. Andava com dificuldade, estava a sofrer, mas não estava preparado para morrer“, disse à Efe a advogada da família Elizabeth Flores, que atua como queixosa no caso iniciado em 2011, juntamente com o Partido Comunista, do qual Neruda era membro.

Rodolfo Reyes recordou que o escritor, cujos restos mortais foram exumados em 2013 do seu jardim em Isla Negra, na costa central do Chile, tinha planeado viajar para o México alguns dias antes da sua morte, aos 69 anos de idade, e que no exílio se tinha tornado o “grande adversário” do general Augusto Pinochet.

Não houve confirmação dos comentários de Reyes por parte de peritos forenses do Canadá, Dinamarca e Chile, que vão divulgar publicamente o relatório sobre a causa da morte de Neruda.

As conclusões deste novo relatório deveriam ter sido apresentadas a 3 de fevereiro, mas a audiência foi cancelada em duas ocasiões — primeiro devido a falhas técnicas e depois devido a alegados desacordos entre os peritos — e remarcada para 15 de fevereiro.

Pablo Neruda morreu no dia 23 de setembro de 1973, na Clínica Santa María, em Santiago do Chile, apenas 12 dias após o golpe de Estado com que Augusto Pinochet derrubou o Governo de Salvador Allende.