A poluição provocada pelos plásticos é um dos problemas da Ilha de Moçambique, onde o descobridor português Vasco da Gama chegou há 525 anos, a caminho da Índia, e onde nasceu a primeira capital do país. A economia local está centrada na pesca e recursos marinhos e os plásticos são uma ameaça para as espécies, além de serem uma agressão para os oceanos já sob pressão devido às alterações climáticas.

Garrafas, tampas e todo o tipo de embalagens de plástico são apanhadas nas praias por catadores ou entregues por restaurantes e comércio, avolumando-se num estaleiro dos serviços municipais no centro da ilha. É aqui que uma oficina de reciclagem quer mudar o curso desta história de poluição.

“Aqui limpamos, separamos os plásticos e tentamos produzir novas peças”, explica José Júnior, responsável pelo projeto de reciclagem implementado pela organização não-governamental (ONG) portuguesa Oikos (em parceria com a URB-África/UCCLA, entre outros), apoiado pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua. Maquinaria especializada tritura e molda os plásticos para nascerem mosaicos, azulejos, blocos e outras peças que uma equipa de jovens da Ilha aperfeiçoa a cada dia, procurando agora compradores para tornar a oficina autossustentável.

A palavra espalha-se e faz com que crianças apareçam na oficina com um punhado de plásticos para vender: desta vez e foi Momade Mularanja, um dos operadores de reciclagem, a avaliar os resíduos e a entregar 20 meticais (pouco menos de 50 cêntimos de euro) ao grupo que as foi entregar.

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“É sinal de que a população se está a apropriar da ideia” de que o plástico pode ser valorizado se for retirado do meio-ambiente e reciclado, refere.

“Há muita coisa de plástico aí no mercado. Embalagens de massa, açúcar, bolachas” e muitas crianças a espalhá-las, queixa-se Berta Eusébio, técnica de salubridade do município da Ilha de Moçambique, que quer travar o risco de “o plástico poder ir ter a outro continente”.

É um processo que “vai levar tempo”, mas José Júnior acredita que se a solução nascer na comunidade, será mais fácil “mobilizar a população para uma ação cívica” em que o lixo deixa de ir para o chão e passa a ser reciclado “sem ser uma ameaça para os oceanos”.

A ação da oficina encaixa-se numa estratégia de preservação dos recursos do mar que inclui projetos junto das comunidades (com apoio do Camões e da Blue Ventures Conservation) para pôr fim à pesca desenfreada — atividade tão voraz que hoje há barcos “que regressam a terra sem nada”, conta Dane de Almeida, um dos elementos de ligação da Oikos às comunidades, responsável pela área de conservação marinha.

Os projetos estão “a tentar ajudar as comunidades a recuperar os recursos pesqueiros que estão a desaparecer” através de medidas de gestão que elas próprias implementam.

Atravessa-se o trecho de mar que separa a Ilha do continente para chegar a Cabaceira Pequena, aldeia piscatória onde foi constituído um conselho de gestão local, que está reunido com as autoridades marítimas debaixo de uma das maiores árvores da povoação. As condições de vida são precárias e discute-se a preservação da maior riqueza, a pesca. 

Em debate está a instauração de zonas de veda, áreas demarcadas com boias, onde não se pode pescar durante determinado período para permitir que os peixes se reproduzam, em vez de desaparecerem.

“A mensagem que tentamos passar é que não se podem tirar os peixes pequeninos”, diz Fátima Momade, ativista comunitária que, tal como o resto da equipa, reconhece que a mudança de comportamentos leva tempo.

Ossumane Abudu, chefe do conselho comunitário de pesca, desce até à praia e aproxima-se da última embarcação do dia a chegar à Cabaceira: traz tainha e peixe-coelho, que é pesado e vendido logo ali na praia. Antes de regressar a casa, faz-se ao mar para, a poucos quilómetros, verificar a colocação das boias que marcam uma das zonas de veda, onde espera que ninguém pesque nos próximos meses.

“Criámos isto no ano passado e deu resultado porque os peixes que tinham desaparecido voltaram. Então, este ano queremos fazer isso de novo”, com regulamento e multas para quem transgredir, conta à Lusa. “Quem entrar e pescar, é punido até 12.000 meticais”, cerca de 177 euros.

Manuel João, da autoridade marítima, acompanha o processo. Face à “escassez de peixe”, este parece ser o caminho correto, aquele que “nos vai deixar contentes”, conta, sendo que na Cabaceira Pequena, alegria é sinónimo de mais peixe, centro de toda a economia local: com ele “toda a gente ganha”.

Os residentes “é que decidem como fazer, nós damos o apoio técnico”, explica Dane, num projeto que começou com o diagnóstico à comunidade e em que as queixas da crescente falta de peixe surgiram à cabeça. “Há cada vez mais pescadores, são 5.800 nesta zona e há que aliviar a pressão”, a par do respeito pelos períodos de veda e interdição de técnicas nocivas — como redes e gaiolas tão apertadas que impedem os pequenos animais de chegar à idade de reprodução.

A Oikos propõe alternativas de rendimento e tem apoiado mulheres a abrir pequenos negócios de preparação de comida, além de ambicionar implantar outros projetos como o mel de mangal, com colmeias produzidas e instaladas pela comunidade.

É na visita à Cabaceira Pequena que José Júnior reencontra a praga dos plásticos.

Raúl Nato ocupa uma das ruas de areia com uma montanha de plásticos, lixo que compra para revender, auxiliado por um pequeno exército de crianças e jovens que revira e ordena cada pedaço. Daquela e de outras comunidades, encaminha tudo para Nampula, a capital provincial, a 200 quilómetros, onde unidades industriais reciclam os resíduos para fabricar novos utensílios.

Raúl troca contactos com José, que lhe explica que há uma nova oficina de reciclagem do outro lado da baía, sedenta por processar o que ele acumula. Menos plástico, mais peixe, é a fórmula em que acredita para dar um novo fôlego saudável à Ilha, cuja história desde sempre dependeu daquilo que o mar tem para oferecer.

O tempo e a população ditarão se a nova fórmula resulta.