Imprevisível e perigoso. Dois adjetivos que descrevem Oberyn Martell, figura também conhecida como Red Viper, de “Guerra dos Tronos”. Pelo contrário, duas palavras que se associam com muita dificuldade a Pedro Pascal — e até à fisionomia que deu à tal personagem durante a quarta temporada da série inspirada na obra de George R.R. Martin. A Martell, Pascal deu uma certa eloquência e sedução, com um à-vontade de quem não teria nada a perder. Na verdade, talvez fosse precisamente esse o caso. Pascal estava há duas décadas na televisão e no cinema em papéis secundários, era uma figura de fundo. Oberyn Martell seria mais uma delas. No meio de tantas personagens de “GOT”, poderia ser mais uma de passagem, que apareceria e, com a mesma rapidez, ficaria esquecida.
Agora é fácil fazer as contas ao que aconteceu: Pascal ficou na memória e entrou para a lista dos desejados pelos responsáveis de casting. Martell parecia feito para o chileno tornado cidadão americano. A cara “conheço-te-mas-não-sei-de-onde” de Pascal serviu a série e ao ator entregou-lhe condições para tomar riscos. Por isso, não é de estranhar que a cena mais memorável de Martell seja a própria morte — depois de um combate que figura entre os mais memoráveis da produção, a brutalidade do evento final ditou-lhe o futuro. Pascal aceitou o jogo, não teve medo de morrer no ecrã para conseguir uma nova vida. E essa aposta resultou.
Notemos o seguinte: isto aconteceu quase há uma década (2014). Desde então, o ator tirou proveito da situação e assumiu um dos papéis principais em “Narcos” na Netflix (Javier Peña, um dos homens da lei, que perseguia os bandidos traficantes liderados por Pablo Escobar, entre 2015 e 2017), entrou no universo de Star Wars e vestiu o fato de “The Mandalorian” em 2019, série que serviu de porta de entrada para o Disney+ (a terceira temporada estreia-se esta quarta-feira, 1 de março) e é também — ou sobretudo — o protagonista de uma das séries do momento, “The Last Of Us”, na HBO Max, na qual interpreta o protagonista e sobrevivente Joel. Por este papel, sabe-se, recebeu 600 mil dólares por episódio (cerca de 565 mil euros no câmbio actual), colocando-o na lista dos atores de televisão mais bem pagos da atualidade (com séries a decorrer), só atrás de Jennifer Aniston, Reese Witherspoon (ambas em “The Morning Show”), Chris Pratt (“The Terminal List”), Jeff Bridges (“O Velho”) e empatado com Steve Martin e Martin Short (“Only Murders In The Building”).
Contudo, Pascal parece viver noutra realidade, ausente do seu estrelato e pouco conectado com certos afazeres de quem vive nesse patamar. Talvez essa filosofia de vida possa explicar o monólogo pouco exercitado no programa “Saturday Night Live” de há poucas semanas. Confiou de mais no valor-comédia da história das suas origens no Chile e brincou com a ideia de não se achar uma estrela (a história de familiares partilharem o seu número de telefone como se nada fosse é subtil nisso), com uma prestação aquém do esperado nos sketches, mesmo quando gozou com as adaptações televisivas de videojogos. O mesmo ator que durante as entrevistas em volta de “The Last Of Us” confessava que se esqueceu de que tinha ficado com o papel principal, por causa dos comprimidos para dormir que tomou depois de ter festejado essa vitória.
Pedro Pascal parece de facto indiferente ao sucesso, é impossível contrariar a evidência. Na vida encontrou alguns percalços. Nasceu em 1975 em Santiago do Chile, com José como primeiro nome, tal como o pai. Poucos meses depois, a família teve de fugir do país, consequência de afiliações políticas a Salvador Allende, durante o regime de Pinochet. Além das razões ideológicas, a mãe de Pascal, Verónica (psicóloga infantil), era prima de um neto de Allende, Andrés, que, por sua vez, era membro de uma guerrilha. Primeiro encontraram asilo na Dinamarca. Só passado algum tempo se instalaram nos Estados Unidos. Do lado do pai, José Balmaceda, um médico de fertilidade, há uma ligação a uma das famílias mais importantes da política chilena do século XIX.
Pascal começou por ser Pedro Balmaceda quando chegou a Nova Iorque em 1993, para estudar representação (depois de ter desistido das competições de natação que até dominava com relativo à vontade). Foi na cidade grande que rapidamente construiu amizade com a atriz Sarah Paulson, ainda hoje uma das suas melhores amigas. No final dessa mesma década mudou o apelido artístico para Pascal (primeiro como Alexandre Pascal, depois como Pedro Pascal), em homenagem à mãe que se suicidou em 1999. O facto de os americanos terem alguma (bastante) dificuldade em pronunciar a palavra B-A-L-M-A-C-E-D-A também terá contribuído para a decisão.
A irmã, Lux Pascal, também é atriz e uma ativista transgénero. Pascal apoia-a publicamente e essa é uma das áreas (os direitos LGBTQ+) que o levam a expressar publicamente algumas opiniões sociopolíticas. De resto, Pedro Pascal é discreto, raramente se envolve em controvérsias e, quando acontece, é por tweets — entre a política apertada da Disney sobre aquilo que dizem e fazem os “seus” artistas e os fãs, sempre os chatos dos fãs com as suas opiniões.
Ainda em finais de 1990: desde essa altura que Pedro Pascal, em luta por conseguir um lugar televisivo, saltou de papéis menores em papéis menores, desde “Buffy, A Caçadora de Vampiros” a “Lei e Ordem” (nesta desempenhou diversos papéis, o próprio brinca com o facto de ter feito de tipo mau e de tipo bom ao longo de diferentes participações), de “Nurse Jackie” a “Homeland” ou “The Good Wife”. No cinema, a marca ainda é menor, conseguindo papéis mais visíveis só em meados da década passada, em filmes como “A Grande Muralha” (2016) ou o segundo volume de “Kingsman” (2017). Desde então, o seu nome tem subido na ordem dos créditos, mas é na televisão que tem brilhado. Conseguiu ser protagonista de três produções de bandeira em três serviços de streaming diferentes: Netflix, HBO Max e Disney+. Daqui a algumas décadas, quando Pascal quiser explicar a gerações mais novas o significado de “ter sucesso na TV do século XXI”, não vai precisar de dizer mais nada.
Em “The Mandalorian”, cuja terceira temporada se estreia agora, Pedro Pascal veste um fato que não o deixa ver nada – é o próprio que assume – e também não dá espaço para que o espectador veja uma expressão facial que seja. Contudo, veste aquela roupa com a segurança de quem está a criar mitologia e a proporcionar alguns dos melhores minutos de entretenimento da televisão da atualidade, enquanto relembra que é também na televisão que o universo de “Star Wars” mantém alguma relevância criativa.
Já em “The Last Of Us” (que termina a 12 de março, último episódio disponível a 13 em Portugal), como foi visível num dos últimos episódios, Joel é uma personagem velha, numa linha ténue com a morte, à qual Pascal tem dado o corpo que merece, transformando por completo o Joel do videojogo que a série adapta. Se os episódios seguirem a história que as consolas contaram, através de temporadas por vir, Joel tem um futuro atribulado. Mas sair por cima da morte não é algo estranho a Pedro Pascal.
Informação extra: o nosso homem no espaço e o mundo pós-apocalipse fúngico será em breve protagonista de outra produção, a minissérie “My Dentist’s Murder Trial” (em conjunto com David Harbour, o Hopper de “Stranger Things” e o mesmo que já foi Hellboy). É a história de um dentista acusado de matar o marido da mulher com quem teria um caso romântico, fazendo uso de uma substância química própria daquela especialidade médica. Já agora: Pedro pascal será o dentista.