Afinal, Lula da Silva virá mesmo ao Parlamento — mas não será para discursar no 25 de Abril. Depois de uma semana de polémica, que estalou com o anúncio, pelo ministro João Gomes Cravinho, de que o Presidente brasileiro viria à sessão solene (um convite que o Presidente da República também já tinha referido publicamente), os líderes parlamentares falaram e chegou-se a um quase-consenso para Lula visitar a Assembleia da República e ter direito a uma sessão de boas vindas, que não estará integrada nas comemorações do 25 de Abril.
Na reunião da conferência de líderes, que aconteceu esta quarta-feira, Augusto Santos Silva fez questão de não deixar espaço para dúvidas e discussões sobre as modalidades em que a sessão se poderia fazer, arrumando logo o assunto, apurou o Observador. Ou seja, depois de ter feito um preâmbulo de contexto lembrando as outras ocasiões em que Portugal recebeu chefes de Estado estrangeiros e quais as fórmulas adotadas nessas alturas, avançou logo com a proposta para esta solução — “matou o assunto”, resume fonte presente na reunião.
O que não impediu que, no início do encontro, ainda houvesse um período dedicado a falar da polémica da semana, com críticas de todos os partidos menos do PS à postura de João Gomes Cravinho, que dissera em Brasília que Portugal contaria com Lula da Silva nas comemorações do 25 de Abril — saltando uns quantos passos, inclusivamente diplomáticos, nesse processo.
Curiosamente, já Marcelo Rebelo de Sousa dissera a mesma coisa em dezembro, embora na altura o anúncio tenha passado quase despercebido. Também agora, na reunião parlamentar, os partidos e deputados únicos dedicaram-se a atacar o ministro e só os liberais terão lembrado o papel do Presidente da República no episódio de dezembro, quando adiantou que o convite estava feito.
Na verdade, o facto de Marcelo já na altura ter falado é a prova, para partidos presentes na reunião desta quarta-feira, de que a presença de Lula estava “combinada” há meses e que a frase de Gomes Cravinho se tratou de uma precipitação a nível diplomático — até porque é na Assembleia da República que devem ser decididos os moldes de convites deste género –, mas não propriamente de uma iniciativa isolada do ministro.
Mas, assim sendo, e tendo constatado a polémica instalada nos últimos dias, Santos Silva “leu bem a sala”, resume um dos participantes na reunião, e nem deixou que a hipótese de Lula discursar “estivesse em cima da mesa”. Para quem estava contra — PSD opunha-se e IL ameaçava abandonar o hemiciclo — o resultado da pressão que os partidos fizeram (Chega também se opôs, mas mantém o protesto que estava a organizar a propósito da presença do Presidente brasileiro, com ou sem discurso no 25 de Abril).
Não é claro, no entanto, se a sessão “específica” dedicada a Lula, durante a qual o Presidente brasileiro discursará, acontecerá também no dia 25 de Abril ou não (Lula estará em Portugal, em visita de Estado, entre os dias 22 e 25 desse mês). Depois da reunião de líderes parlamentares, vários sugeriram que pode estar em cima da mesa a opção de fazer essa sessão na véspera, dia 24.
No Parlamento, o Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, explicou que esses detalhes ficarão agora a seu cargo, estabelecido que está que a “belíssima tradição” da visita, sobretudo de chefes de Estado de países “vizinhos e aliados” ao Parlamento, se manterá. Nessa sessão que disse ter “um enorme prazer” em organizar, e que, depois de toda a polémica, disse contar agora com um “consenso muito grande” (todos concordaram com estes moldes menos o Chega), Santos Silva também intervirá.
O que não está ainda decidido é se Lula até pode assistir à sessão solene do 25 de Abril, mesmo sem discursar. Santos Silva não esclareceu esse ponto aos jornalistas, remetendo de novo para as questões logísticas de protocolo que ainda há “um mês e meio” para resolver.
À saída da reunião, a maior parte dos partidos mostrou-se satisfeita com a solução encontrada: houve quem se mostrasse “de acordo” com a receção “condigna”, como o PS, que lembrou os “laços históricos únicos” com o Brasil e falou num enquadramento adequado, PSD e PAN; e quem comemorasse o fim da ideia de Lula discursar no 25 de Abril, caso da Iniciativa Liberal, cujo líder parlamentar considerou que ficou assim “reafirmada a dignidade” do Parlamento.
A irritação que tinha surgido com o anúncio agora corrigido de Gomes Cravinho só se manteve do lado do Chega, “veementemente” contra qualquer uma das modalidades, “durante as comemorações do 25 de Abril ainda mais”, e contra a vinda de Lula no geral: “Também estamos contra que haja uma sessão solene à parte”, rematou o líder da bancada, Pedro Pinto. Sem sucesso: a ideia do discurso no 25 de Abril caiu, mas Lula vai mesmo falar no Parlamento.