A publicação deste Direito de Resposta de José Maria Seabra Duque ao artigo “Feministas anticlericais”, “Anticristo”. Conservadores tentam desacreditar relatório sobre abusos na Igreja” é feita ao abrigo da Lei de Imprensa.
“Difamar não é informar
Foi com algum espanto que li a peça “jornalística” publicada no Observador, “Abusos. Conservadores tentam desacreditar comissão”. A peça é um exercício de corte e recorte de publicações nas redes sociais, com muitos adjetivos, nenhuma investigação, e um título bombástico. Mas não foi isso que me espantou, esse é o nível a que o autor da peça nos tem habituado, e que já tinha merecido da minha parte algumas críticas públicas.
O que me espantou no artigo em questão foi o facto de eu ter sido referido na dita peça. O jornalista parte de um texto que publiquei nas redes sociais (que aliás corta, recorta e cola com especial arte) para me incluir numa suposta “rede conservadora que se opõe, muitas vezes, à própria hierarquia eclesiástica portuguesa” e que teria “vociferado contra o relatório da comissão”. A peça é abundante em adjectivos, mas parca em factos. Basta ler o que o jornalista escreve para se perceber que não encontrou qualquer rede, mas simplesmente diferentes reações ao relatório da Comissão Independente, que junta utilizando a famosa técnica da amálgama, mais adequada à comunicação política do que ao jornalismo.
Mas se a linguagem utilizada é má, a tentativa de me acusar de desacreditar o relatório é simplesmente absurda. Aliás, basta ler as partes que o jornalista tão habilmente montou para se perceber que não há qualquer tentativa de ataque à Comissão e ao seu trabalho. Pelo contrário, várias vezes valorizo o trabalho feito: «“Dito isto, percebo também que este era o único método possível de dar voz às vítimas”, assume Seabra Duque. “E este é talvez o maior mérito deste relatório: permitir a quem foi abusado na Igreja e nunca se sentiu escutado ou acompanhado, sê-lo.”» ou ainda «Por isso, continuando a não gostar do método, percebo que era o possível para permitir às vítimas de abusos na Igreja denunciar o que lhes aconteceu.”» ou ainda «”O relatório é de facto útil para compreender melhor o fenómeno dos abusos na Igreja». E isto são algumas partes que foram citadas na dita peça que me acusa de tentar desacreditar o relatório. É preciso bastante má-fé para me fazer tal acusação.
É verdade que demonstro algumas dúvidas sobre os métodos e sobre os números, mas boa parte dessas dúvidas foram expressas também por membros da CI. Por isso, a não ser que o jornalista também considere que os membros da comissão tentaram desacreditar o seu próprio trabalho, a acusação que me dirige não é apenas ridícula, é caluniosa.
Talvez o excerto onde fique mais clara a má vontade do jornalista para comigo é quando corta a meio um parágrafo meu, para dar a entender que eu considero que os números de abusos são menos do que os que constam no relatório. A citação que aparece na peça diz: «Por um lado, estimativas baseadas nos relatos das denúncias (que dão os quase cinco mil casos falados), não me parece fiável”» esquecendo-se de completar: «Por outro, com certeza que nestes cinquenta anos houve pessoas abusadas que morreram sem que se soubesse do horror de que tinham sido vítimas, haverá vítimas que não quiseram voltar a reviver o abuso, ou simplesmente que não acreditassem que valesse a pena denunciar. Por isso o número avançado pode pecar por defeito ou por excesso e dificilmente haverá forma de o confirmar.»
Em momento algum tento desacreditar o relatório ou o trabalho da Comissão. Mas para um jornalista ávido por criar uma rede conspirativa contra o relatório, as minhas dúvidas são o suficiente para fazer número na sua narrativa.
Normalmente não daria suficiente credibilidade ao trabalho deste jornalista para me preocupar com o facto de ele me tentar difamar. O que escrevi fala por mim, assim como a adjetivação de citações recortadas a gosto falam por ele. Se faço este direito de resposta é por duas razões:
- Vivemos num tempo de crise no jornalismo, com as consequências que isso traz para a democracia. Um jornalista que usa a sua posição para, ao arrepio dos factos, fazer ataques pessoais, é grave. Denunciar as más práticas jornalísticas é uma forma de separar o trigo do joio, na defesa da credibilidade de tantos jornalistas que não têm culpa do mau trabalho de alguns do seus colegas. Tal como na Igreja, no jornalismo não acredito em culpas colectivas.
- O drama dos abusos de menores é algo de muito sério. A maior preocupação deve ser antes de mais as vítimas. Por isso é especialmente grave que alguém utilize a dor das vítimas como elevador profissional.
Afirmar que eu desacreditei o relatório da Comissão Independente é uma calúnia. Já o trabalho do jornalista desacredita-se a si mesmo, sem precisar do meu auxílio.
José Maria Seabra Duque”