Ativistas angolanos disseram esta terça-feira que o direito à manifestação em Angola está posto em causa e que o regime tende a intensificar a repressão em cenários de enfraquecimento do poder para se proteger contra as ameaças.

No auditório das Irmãs Paulinas, em Luanda, dezenas de jovens ativistas refletiram sobre o direito à manifestação, tendo como mote o dia 7 de março de 2011, em que houve uma tentativa de protesto contra o governo do então Presidente José Eduardo dos Santos, que culminou na detenção de 12 pessoas, incluindo o ativista e ‘rapper’ Luaty Beirão e jornalistas.

Margareth Nangacovie, advogada e professora, afirmou que o direito à manifestação em Angola acontece quando esta é favorável aos interesses instalados, mas “não sai” se for de um grupo de jovens ativistas como os que se reuniram esta terça-feira.

Isso é próprio de um contexto autocrático onde o autoritarismo serve para impedir o enfraquecimento do poder e a confrontação com o sistema”, o que, sublinhou, ficou provado pelos testemunhos ouvidos no auditório em Luanda.

“Estamos num Estado em que o direito à manifestação sofre graves restrições, limitações, quando estes manifestantes não estão alinhados com a agenda dominante”, apontou.

Entre o público, um jovem, Paulo Evangelista, acusou o atual Presidente, João Lourenço, de ser “mais ditador do que José Eduardo dos Santos“, que governou Angola durante 38 anos, mas para Margareth Nangacovie trata-se de uma questão de estilos: “Algumas medidas repressivas, neste contexto, parece que são mais intensas, mas eu não saberia nivelar o grau de repressão entre uma época e outra”.

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Eu acho que vai progressivamente piorar porque as condições políticas do próprio partido se manter também estão a piorar, as condições sociais estão a piorar, as condições económicas estão a piorar… tudo isso coloca muita pressão sobre o regime aos diferentes níveis, o que resulta na intensificação do medo e na necessidade que o regime tem de se proteger contra essas ameaças”, comentou a docente universitária.

Numa entrevista à RFI, na semana passada, João Lourenço considerou “a expressão ‘repressão’ muito forte”, salientando que Angola não é um Estado repressivo.

Mas como todos nós temos vindo a constatar, nem sempre as manifestações são tão pacíficas como seriam de desejar. O mau seria, como era no passado, nunca haver manifestações, as manifestações serem consideradas proibidas. Não é o caso, as manifestações em Angola não estão proibidas e prova disso é que todos os fins de semana há manifestações”, referiu.

Ilídio Manuel, jornalista, que conta ter estado também na mira das autoridades angolanas e não chegou a ser preso porque “ia dar muito nas vistas”, lamentou que, de manhã, a polícia se tenha dirigido ao auditório para averiguar quem iria participar no ato, afirmando que a “estratégia é dividir para reinar e intimidar”.

Como é que um país está preocupado com ativistas que se vão manifestar, mas não olham para os tribunais”, indignou-se.

O ativista e porta-voz do Movimento de Intervenção Terceira Divisão, Hitler Samussuku confirmou a visita da polícia, queixando-se de pressões devido à realização da iniciativa.

Eles fizeram chantagem com as madres (das Irmãs Paulinas) que começaram a ligar para mim às 07:30 a dizer que tinham muitos polícias (nas proximidades) e que provavelmente ia aparecer carros da esquadra, mas nós já conhecemos e sabemos que não há nada de ilegalidade, estivemos apenas a refletir e enquadra-se até nas reflexões académicas”, contou.

Lamentou ainda que as manifestações sejam sistematicamente travadas, graças a “esquemas” administrativos “bem montados que levam a polícia a aparecer no local para inviabilizar os protestos, por falta de resposta dos governos provinciais”.

Cidadãos que querem protestar contra a pobreza, contra o desemprego pela implementação das autarquias, o governo não permite mesmo, não permite nem a concentração”, disse.

Para o ativista, que concorreu às anteriores eleições integrado nas listas da UNITA (oposição angolana), “a repressão das manifestações faz parte da natureza do regime, a palavra manifestação incomoda o governo”, acrescentando que as detenções acontecem no local da concentração ou os organizadores são apanhados ainda em casa.

Seria de bom-tom que os agentes dos serviços secretos que estiveram aqui a assistir (aprendessem) para sustentar melhor a sua perceção sobre os ativistas e os manifestantes ou as manifestações”, desafiou Hitler Samussuku.

O politólogo Olivio Kilumbo, eleito deputado nas listas da UNITA falou sobre a importância da preservação das instituições, “necessárias para criar um estágio novo após o desmantelar da podridão de ontem“, e avisou que, “num regime autocrático”, os que lutam contra o regime têm de saber adaptar as suas estratégias e reinventar-se, afirmando-se pacifistas.

Alcides Mulemba, jovem do bairro Paraíso, considerado um dos piores de Luanda, afirmou que “ninguém está feliz com o MPLA”, partido que governa Angola desde a independência, em 1975, e afirmou estar “disposto a morrer para que as gerações vindouras tenham um futuro melhor”.

Na opinião de Matias Chipipa os jovens estão a ser mortos “do ponto de vista da educação”, pelo que defendeu importância da literacia e de conhecer as leis para as novas gerações, ferramentas que devem ser levadas até às comunidades.

A iniciativa foi organizada pelo Movimento Cívico Mudei e pelo Movimento Terceira Divisão.