Já houve contactos entre os advogados de Alexandra Reis e a TAP no sentido de concretizar uma das recomendações da auditoria da Inspeção-Geral de Finanças, segundo a qual grande parte do pagamento feito à ex-administradora é nulo porque não foram cumpridos os normativos legais. Em causa estaria a devolução de 450,1 mil euros. Mas, na prática, será um valor menor, porque não foi esse o montante líquido recebido por Alexandra Reis que também tem créditos laborais junto da TAP, e admitidos na própria auditoria, referentes às férias vencidas e por gozar.
Segundo a nota de vencimentos que foi anexa ao relatório da auditoria, os abonos processados pela TAP relativos à ex-administradora em fevereiro de 2022 totalizaram 517,6 mil euros, mas este valor foi sujeito a descontos de 205,2 mil euros, dos quais a fatia mais relevante diz respeito ao IRS retido no montante de 201,1 mil euros.
Em termos líquidos, Alexandra Reis recebeu 312,4 mil euros, uma soma que inclui o vencimento de fevereiro — 17.500 euros com o corte de 30% aplicado aos cargos de administração e 56.168 euros de compensação por rescisão de vínculo contratual com o grupo TAP. A IGF diz que esta última compensação é devida, mas considera que devem ser excluídos “benefícios em género” já usufruídos no valor de 6,6 mil euros (seguros, viatura).
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“A eng. AR (Alexandra Reis) terá de devolver à TAP os valores que recebeu ou beneficiou na sequência da sua cessação de funções como administradora, os quais ascendem a um total de 450.110,26 euros, sem prejuízo do direito ao abono de férias não gozados naquela qualidade”. Este montante resulta da soma dos 6,6 mil euros para os quais a IGF não considera haver suporte legal com os 443 mil euros atribuídos como compensação mas sob inobservância dos regimes jurídicos do setor empresarial do Estado e do estatuto do gestor público.
Férias não gozadas serão calculadas a partir de salário com corte de 30%
Sobre as férias não gozadas no tempo em que era administradora — e vencidas a janeiro de 2021 e de 2022 (relativas ao ano anterior), a IGF diz que, pela informação prestada pela TAP, Alexandra Reis “não terá gozado qualquer dia, pelo que terá direito ao abono dos valores correspondentes aos períodos de férias desses anos, bem como ao proporcional de férias que se venceriam em 2023”. A auditoria não quantifica esse montante, mas sinaliza que o mesmo deve ser calculado com base no vencimento mensal sujeito ao corte de 30% aplicado aos administradores e não a partir do vencimento mensal sem cortes. O acordo de rescisão negociado em 2022 incluía uma tranche de 107,5 mil euros relativas a férias devidas e não gozadas que foi calculada a partir da remuneração bruta mensal sem cortes de 25 mil euros.
Na documentação anexa à auditoria, a TAP indicava que, através dos seus advogados, “já comunicou aos mandatários da senhora eng. Alexandra Reis a sua intenção de exigir a devolução do pagamento integral da quantia que venha a ser indicada por esta Inspeção-Geral no seu relatório final homologado pelo Governo”.
No dia em que foi conhecida a auditoria, Alexandra Reis reafirmou em comunicado que, por vontade própria, “devolverei o que indica a IGF” sem deixar de sublinhar que discorda do parecer e que a nada a obrigava a isso. “Como afirmei desde o início (numa alusão à primeira declaração que fez sobre o tema ainda como secretária de Estado do Tesouro), não quero ter nenhum euro sobre a qual recaia a mínima suspeita”.
Isto apesar de, no contraditório apresentado na referida auditoria, os seus advogados terem defendido que a gestora deveria ter direito a uma compensação correspondente ao vencimento de 12 meses, condição estabelecida no estatuto do gestor público para demissões de administradores por conveniência. Contas feitas, incluindo férias não gozadas e vincendas — 36,6 mil euros — a compensação por cessação do vínculo contratual com o grupo TAP — 56,5 mil euros — e a compensação por ser demitida antes do final do mandato — 155,2 mil euros (deduzida já do valor que teria de devolver por ter sido nomeada quatro meses depois para a NAV) —, Alexandra Reis teria direito a 248,3 mil euros. E teria de devolver 251,8 mil euros, isto considerando os 500 mil euros brutos do pacote total.
A IGF contesta esta leitura, argumentando que, para ter esse direito, Alexandra Reis teria que ter exercido funções como administradora durante 12 meses. A gestora esteve mais do que esse período na administração da TAP, mas só tinha sido nomeada para mandato que foi interrompido oito meses antes, uma argumentação que é contrariada pelos representantes legais de Alexandra Reis, segundo os quais o mandato em causa tinha tido início em janeiro de 2021.
De acordo com informação recolhida pelo Observador, já houve contacto da parte do escritório que agora representa Alexandra Reis, a Miranda & Associados, com o escritório que está a apoiar a TAP neste processo e que, segundo as mesmas fontes, é a Sérvulo & Associados. Questionado pelo Observador, fonte oficial desta sociedade não comenta o tema e a TAP não respondeu.
A Miranda & Associados já deu apoio à gestora na resposta em contraditório à auditoria da Inspeção-Geral de Finanças. No primeiro acordo com a TAP, Alexandra Reis foi assessorada pela Morais Leitão & Associados, empresa que estará agora a trabalhar com a TAP em matérias de direito comercial e outras, mas que não poderá representar, agora, a transportadora numa negociação com a sua ex-cliente sobre o mesmo assunto.
Já a SRS, que assessorou a TAP no acordo que foi considerado nulo pela IGF, terminará a sua prestação de serviços com a transportadora em maio deste ano.
Na resposta à IGF, a TAP revela que já tinha sido feita uma abordagem da TAP no sentido de reaver uma parte do pagamento de meio milhão de euros pago à ex-gestora, mas na sequência da sua nomeação para uma outra empresa pública, a NAV (empresa de controlo aéreo). No documento, a transportadora invocou dificuldades em materializar essa pretensão:
- “A TAP não tem atribuições relativas ao acompanhamento e monitorização permanentes do setor empresarial do Estado (…) nomeadamente no que toca às designações para órgãos sociais de outras empresas aí localizadas como a NAV.”
- Configuram uma alteração ao acordo de revogação celebrado com intervenção tutelar e, portanto, carecem igualmente de ações da tutela.
- A sra. eng Alexandra Reis exerceu funções em duas entidades públicas distintas (NAV e Secretaria de Estado do Tesouro), com estatutos diferentes e remunerações diferentes, com detalhe da sua remuneração específica que muito dificilmente podem ser objeto de cálculo sem articulação direta com as entidades junto das quais desempenhou funções.
Estas limitações foram ultrapassadas na medida em que a auditoria da IGF inclui toda a documentação salarial e contratual de Alexandra Reis com a NAV e na qualidade de secretária de Estado do Tesouro, para além da orientação expressa dada à TAP para obter essa devolução.
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A transportadora indicou, esta quinta-feira em comunicado, que “considerando que resulta do mencionado relatório da IGF que o acordo celebrado com a senhora eng.ª Alexandra Reis é nulo na parte referente ao pagamento de uma compensação pela cessação antecipada das funções de administração, a TAP encontra-se já a adotar diligências necessárias no sentido da devolução do montante indevidamente pago, sem prejuízo da eventualidade de virem a ser dadas pelo acionista, nos termos legais, instruções concretas sobre esta matéria, que serão integralmente cumpridas pela TAP.”
No entanto, os passos formais que terão ainda de ser dados para concretizar a destituição por justa causa dos seus dois principais gestores criaram um vazio do lado da TAP nas negociações para a devolução exigida a Alexandra Reis. Isto não obstante a empresa ter afirmado em comunicado que a presidentes executiva e o presidente do conselho de administração se mantêm em funções, nos termos da lei, até à deliberação do acionista.