Os custos para a TAP da compensação atribuída a Alexandra Reis pela rescisão antecipada de contrato são mais elevados do que os 500 mil euros que antiga gestora recebeu nos termos do acordo divulgado. Não sendo conhecido ao certo os contratos, há interpretações diferentes sobre a tributação a aplicar por parte dos fiscalistas contactados pelo Observador, mas o custo para a transportadora, em qualquer dos casos, será superior a 600 mil euros, sendo que deste cerca de metade vai para o Estado.

Dois fiscalistas ouvidos pelo Observador defendem que por ser uma empresa com prejuízos fiscais em 2022, a TAP terá de pagar uma tributação autónoma de 45% ao Fisco sobre a componente do pacote financeiro que é entregue a título de compensação por rescisão antecipada. Um terceiro fiscalista diz que tal tributação só seria exigida caso se tratasse de uma indemnização que fosse além de prestações remuneratórias, mas ainda assim destaca os custos que a empresa terá de suportar em taxa social única pelos valores pagos à antiga administradora.

As contas feitas apontam para um encargo adicional de mais de 100 mil euros, entre os 105 mil e os 176,7 mil euros, consoante o cenário de a TAP ter de pagar apenas TSU ou ter, por outro lado, de entregar também uma tributação autónoma de 45%.

É preciso assinalar, ainda, que os valores indicados pela TAP do pacote de compensação à antiga administradora — remuneração correspondente a 12 meses, férias não gozadas e rescisão de vínculo contratual  — são brutos. Depois de impostos e eventuais contribuição à Segurança Social, os valores líquidos são inferiores.

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Um dos fiscalistas consultados pelo Observador, Luís Leon, indica que pelas remunerações é devida uma taxa de 11% à Segurança Social por conta do trabalhador. O IRS depende dos rendimentos totais declarados e da situação fiscal, mas a taxa será superior a 50%, admite. Alexandra Reis terá recebido em termos líquidos menos de metade do que pagou a TAP, considera o fiscalista que lembra que, para este nível de rendimento, o Estado (Fisco e Segurança Social) pode ficar com até dois terços do que a empresa gasta.

Segundo o esclarecimento dado pela TAP ao Governo, o montante atribuído de 500 mil euros é composto por três parcelas: 336 mil euros de remunerações por vencer correspondentes a um ano de salário, 107.500 euros de remuneração por férias passadas não gozadas e 56.500 euros de compensação pelo fim do vínculo de trabalho. Alexandra Reis tinha começado por pedir 1,479 milhões de euros.

Rogério Fernandes Ferreira, sócio da RFF Associados considera que sendo a indemnização devida, em parte, pelas funções enquanto diretora e, noutra parte, enquanto administradora, o montante pago deverá ser considerado pela totalidade e sujeito a tributação em sede de IRS, às taxas gerais, neste caso, à taxa máxima de 48%, mais taxa adicional de solidariedade de até 5%.

Já em matéria de Segurança Social, defende que a referida indemnização não integra a base de incidência contributiva, por resultar de um acordo alcançado e “assumindo que não dê direito a prestações de desemprego, e como tal não pagará Segurança Social sobre este montante.”

Fernando Castro Silva, sócio do escritório de advogados Garrigues, concorda que o IRS deve incidir sobre a totalidade do valor recebido, embora admita a possibilidade da indemnização relativa ao contrato de trabalho poder ficar de fora. A taxa a aplicar aos 443.500 euros será a máxima de 48% à qual é preciso somar a taxa de solidariedade de 2,5% acima dos 80.000 euros de rendimento e 5% acima dos 250 mil euros.

Pelas contas do Observador, o IRS ascenderia a mais de 220 mil euros.

Mas quanto gastou a TAP?

Logo na segunda-feira e quando ainda não eram conhecidos os detalhes da compensação, mas sabia-se apenas um valor (500 mil euros), Fernando Castro Silva divulgou no seu Linkedin um encargo adicional de 225 mil euros, face aos meio milhão de euros noticiado, respeitante à tributação autónoma de 45%, a percentagem mais elevada que se aplica a empresas com prejuízos fiscais, como é o caso da TAP. Cálculos que serviram de base à notícia do DN que indicava um custo para a TAP total de 725 mil euros.

Depois de divulgados os termos do acordo financeiro e respetivas prestações, o Observador pediu ao sócio do departamento fiscal da Garrigues para reavaliar as contas. É sobre o valor atribuído a título de compensação por cessação do mandato — 336 mil euros que correspondem aos vencimentos de um ano — que deverá “recair a tributação autónoma à taxa de 45% no caso da TAP devido a, segundo presumo, averbar prejuízo fiscal em 2022. Assim, esta tributação autónoma custará à TAP 151,2 mil euros”.

O jurista exclui da tributação autónoma os valores pagos a Alexandra Reis a título de cessação do contrato de trabalho com a TAP — 56.500 euros. E no que toca aos 107.500 euros de férias não gozadas, que também fazem parte da compensação, incluirá um montante de taxa social única (paga à Segurança Social) de 25.531 euros.

Ou seja, na análise de Fernando Castro Silva, a compensação à gestora custou à TAP mais 176,7 mil euros do que valor bruto recebido pela gestora, num total de 676,7 mil euros.

Uma leitura diferente faz Luís Leon da consultora Ilya. Para este fiscalista, não haverá lugar ao pagamento de tributação autónoma porque esta aplica-se à “parte da compensação que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato”, como estabelece o número 13 do artigo 88.º do Código do IRC. Para Luís Leon, a compensação de 336 mil euros relativa a 12 meses de salário está dentro do valor das remunerações que seriam recebidas por Alexandra Reis que ainda tinha três anos de mandato por completar quando saiu em fevereiro de 2022.

“Só há tributação autónoma na parte que excede o valor das remunerações que seriam auferidas até ao fim do mandato”. O fiscalista dá como exemplo, de valores que estariam abrangidos pela tributação autónoma, as indemnizações dadas a gestores a contrapartida de não irem trabalhar para empresas concorrentes.

Mas sendo remuneração, para Luís Leon há a obrigação de pagamento pela TAP de TSU sobre os 12 meses de salário (330 mil euros), que se estende ao valor das férias não gozadas. Às empresas cabe uma taxa social única de 23,75%. Com a taxa à Segurança Social sobre estas prestações, o custo total para a empresa será de 605 mil euros. Mais 105 mil euros que o valor bruto recebido pela gestora.

O fiscalista Rogério Fernandes Ferreira tem outra perspetiva e alinha com a obrigatoriedade da TAP pagar tributação autónoma agravada de 45% porque a empresa terá prejuízos fiscais em 2022. E remete para a parte da norma já citada do código do IRC, segundo a qual esta tributação aplica-se a “gastos e encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objetivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor ou administrador”.

Para Rogério Fernandes Ferreira, esta norma não deixa dúvidas “quanto ao respetivo enquadramento da indemnização paga à ex-administradora e, consequentemente, aplicação da tributação autónoma”. O facto de ter existido uma renúncia por parte de Alexandra Reis após ter chegado a um acordo com a TAP “em nada altera esta conclusão na medida em que o pagamento daquela indemnização se deve à cessação de funções de administração e não a qualquer tipo de concretização de objetivos de produtividade”.

O Observador questionou a TAP sobre os custos totais da compensação, mas não obteve resposta.