Até ao dia 24 de janeiro de 2023, o nome de Andrea Riseborough era, para a maioria das pessoas, desconhecido. A atriz britânica, de 41 anos, conta com um extenso currículo em Hollywood, com atuações em filmes como “Birdman” (2015) “Animais Noturnos” (2016) ou “Mandy” (2018) mas, apesar de celebrada pelo público mais cinéfilo, estava longe de ser reconhecida pela maioria dos espetadores. Foi por isso que, quando foi anunciada como uma das nomeadas para a 95.ª cerimónia dos Óscares, na categoria de Melhor Atriz Principal, a reação principal foi uma de surpresa.

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Nomeação de Andrea Riseborough surpreendeu a indústria de Hollywood

Como se isso não bastasse, o filme que protagoniza, “Para Leslie” (um character study sobre a vida de uma mãe solteira, alcoólica e em busca de um rumo para a sua vida), é uma produção independente e de baixo orçamento que, à época da nomeação, tinha uma receita de bilheteira de pouco mais de 27 mil dólares – tornando a nomeação ainda mais surpreendente. Afinal, como é que um filme e uma atriz obscuros saltam, do nada, para a ribalta dos Óscares da Academia?

“Para Leslie”: a vitória de Andrea

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A resposta é simples: Riseborough, ou melhor, a sua equipa, fizeram campanha, enviando centenas de emails aos mais famosos atores de Hollywood e pedindo-lhes que apoiassem o filme e a sua estrela nas redes sociais (a frase “um pequeno filme com um grande coração” tornou-se uma espécie de slogan de campanha). Funcionou.

A polémica deu lugar a suspeitas de más práticas e a Academia lançou uma investigação sobre a nomeação da atriz, acabando por concluir que o seu nome podia permanecer entre as indicadas. Ainda assim, o caso motivou atenção redobrada sobre as jogadas de bastidores de Hollywood. Mais do que uma celebração dos melhores filmes do ano, os Óscares são, na verdade, um concurso político e de popularidade, em torno do qual gira uma “indústria sombra” milionária de profissionais de marketing e relações públicas, que trabalham em função de um objetivo: ganhar uma estatueta dourada.

A campanha para os Óscares, passo a passo

Tudo começa com uma boa história. Meses antes do evento (por vezes até antes dos filmes estarem concluídos), profissionais especializados são contratados pelos estúdios para começar a desenhar uma estratégia que leve um filme à cerimónia mais prestigiante de Hollywood. “Como se promove um filme, quem o vai ver e como falam nele, tudo isso influencia a narrativa do filme — principalmente durante a época de prémios”, explicou à revista Variety Jordan Horowitz, produtor de “La La Land” (2016).

Passar a mensagem certa é essencial para qualquer filme ou artista que aspire a ser nomeado. “Algumas narrativas formam-se a elas próprias, mas outras… não vou dizer que são criadas por nós, também se formam sozinhas, e nós depois amplificamo-las”, explicou, por seu turno, ao New York Times Lea Yardum, uma publicista atualmente a trabalhar num par de trabalhos nomeados este ano.

Filmes como “Os Fabelmans” de Steven Spielberg, que celebram o poder da sétima arte, obras em que um ator se transforma para um papel (bónus se estiver a interpretar uma figura real), como “Elvis”, ou trabalhos com uma mensagem social relevante, como “A Voz das Mulheres” ou “Triângulo da Tristeza”, são particularmente favorecidos. Por vezes, um filme “fora da caixa” que não se enquadra em nenhum destes arquétipos torna-se na sua própria narrativa (caso do favorito deste ano, “Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo”).

A maioria das campanhas começa no outono, com os presumíveis candidatos a estrearem num de três festivais — Veneza (Itália), Toronto (Canadá) e Telluride (EUA). Um bom arranque nesta fase é crucial: um Prémio do Público em Toronto, por exemplo, é virtualmente uma garantia de uma nomeação para melhor filme (nos últimos 15 anos, 14 vencedores deste galardão foram indicados ao Óscar, e 5 venceram).

“Os Fabelmans”, de Steven Spielberg, vence prémio principal do Festival de Toronto

À medida que o período de votação se aproxima, começa a fase mais crucial do processo. Primeiro, há que disponibilizar o filme na plataforma de streaming exclusiva dos membros da Academia. Só este passo custa 20.000 dólares. A esta verba é preciso acrescentar as dezenas de milhares gastos em publicidade em jornais e revistas da indústria e em e-mails promocionais enviados aos eleitores.

Além do investimento monetário, os candidatos a candidatos devem, ao estilo de uma campanha eleitoral, percorrer um itinerário de festas, sessões especiais, jantares e eventos em que se dão a conhecer aos membros da Academia e “vendem” a sua história e personalidade — o objetivo, claro, é aumentar as probabilidade de verem o seu nome, e o do filme, nos boletins de voto quando a hora chegar.

Este lobbying tem limitações: os candidatos não podem ligar diretamente a um membro da Academia e promover o seu filme, e há um limite para o número de sessões especiais para as quais um membro eleitor pode ser convidado, por exemplo. No entanto, tal não impede os estúdios de gastarem milhões de dólares, só para garantir uma nomeação (valor que tem aumentado com a entrada em cena das plataformas de streaming; em 2018, a Netflix gastou mais de 40 milhões para promover “Roma”, cujo orçamento de produção foi menos de metade desse valor: 15 milhões).

O “efeito Harvey Weinstein”

As campanhas para ganhar Óscares estão longe de ser novidade — são tão antigas como a própria cerimónia, visíveis desde os dias de Mary Pickford e Norma Shearer. No entanto, as campanhas modernas têm origem num homem: Harvey Weinstein. O produtor, caído em desgraça após o movimento #MeToo, foi, em tempos, um dos mais poderosos homens de Hollywood e responsável por várias das estratégias que, nas décadas seguintes, se tornaram norma.

Harvey Weinstein (à direita, ao lado do realizador Quentin Tarantino), está na origem das campanhas modernas

Foi Weinstein quem popularizou conceitos como o de (pré-streaming) enviar cassetes e DVDs a membros da Academia para que estes pudessem ver os filmes, de os tentar atrair (e, nalguns casos, pressionar) para que votassem nos seus filmes, ou o de insistir que, durante os meses da “corrida aos Óscares”, os seus atores não tivessem nenhum compromisso em agenda, para se poderem dedicar a 100% às campanhas publicitárias.

A agressividade destas táticas é, com efeito, a razão pela qual vários dos regulamentos da Academia relacionados com o lobbying existem atualmente. “Para o Harvey, fazer campanha era um desporto de sangue, e acho que não costumava ser assim antes”, afirmou um estratega de um filme nomeado este ano ao New York Times. “Todos querem ganhar. Mas o Harvey queria ganhar e aniquilar todos os outros”.

Foi esse ímpeto que motivou algumas das mais agressivas campanhas de sempre. Em 1998, uma campanha de difamação, começada por Weinstein, que passou por denegrir “O Resgate do Soldado Ryan”, colheu frutos quando “A Paixão de Shakespeare” triunfou sobre o filme de Spielberg. Anos depois, o produtor foi acusado de tentar sabotar a campanha de “Uma Mente Brilhante” (2001), espalhando rumores de que a figura real sobre a qual se baseava o filme, o matemático John Nash Jr., era antissemita e homossexual.

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Certo é que as práticas do produtor fizeram escola, e continuam a reproduzir-se mesmo estando este atrás das grades. Amanda Lundberg, líder na área das relações públicas em Hollywood, que trabalhou durante anos na produtora de Weinstein, a Miramax, não tem dúvidas: “Todos odeiam o Harvey, e ele está na cadeia, como devia estar. É um criminoso e um violador. Mas as pessoas gostavam dos resultados dele e ainda os querem”.

A “questão Riseborough” é, por isso, menos sobre o facto de ter havido uma campanha e mais sobre a forma como essa campanha foi conduzida. “Não foi uma situação de ‘David contra Golias’, foi mais do que isso”, referiu um profissional da área. A indústria das campanhas para os Ócares vale milhões e emprega centenas de profissionais — e, numa era digital e de redes sociais, vê a sua utilidade ameaçada por “táticas de guerrilha” como as empregues pela equipa da atriz britânica.

Trata-se, no fundo, de delinear quão longe um candidato está disposto a ir para alcançar o objetivo. “Todo este processo dos prémios é, até certo ponto, sobre prostituirmo-nos a nós próprios”, referiu a atriz Melissa Leo em 2010, ano em que, com alguma ironia à mistura, pagou do próprio bolso por anúncios em que publicitava a sua campanha e chamava a atenção para as desigualdade na cobertura de atrizes mais velhas (como Leo) e mais novas. Resultou: na grande noite, ganhou o Óscar por “The Fighter”.

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