O Tribunal de Contas chumbou esta semana a compra de nove baterias para navios elétricos por parte da Transtejo (empresa do Estado que opera serviços de ferry no rio Tejo, em Lisboa), uma vez que a empresa tinha comprado os navios sem as baterias, que foram compradas à parte e por ajuste direto num novo contrato com o mesmo fornecedor — e vai até enviar estas informações para o Ministério Público, para que sejam avaliadas as eventuais responsabilidades penais.

A notícia é avançada esta quinta-feira pelo Público, que cita o acórdão do Tribunal de Contas publicado na quarta-feira.

No texto em que justificam a decisão, os juízes que assinam o acórdão argumentam que comprar um navio elétrico sem as baterias “é como comprar um automóvel sem motor, uma moto sem rodas ou uma bicicleta sem pedais”.

O caso remonta a 2021, quando a Transtejo assinou um contrato com a empresa espanhola Astilleros Gondan S.A. para a compra de dez navios elétricos por 52 milhões de euros. Na altura, quando submeteu o contrato a visto prévio do Tribunal Constitucional, a empresa explicou que faria um novo concurso público para a compra das baterias, por serem um equipamento de desgaste com vida útil inferior à dos barcos.

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Contudo, no final de 2022, a Transtejo submeteu ao Tribunal Constitucional um novo contrato com a Astilleros Gondan S.A. para a compra de baterias — desta vez por ajuste direto, por cerca de 15 milhões. Acontece que a empresa espanhola também terá de comprar as baterias a outra empresa, a Corvus Energy, o que contribui para uma subida dos preços: o Tribunal de Contas quer saber porque é que a Transtejo não consultou aquela empresa diretamente também e desconfia do aumento de preço por via de um intermediário.

Os Estaleiros Navais de Peniche, empresa preterida no concurso, ainda tentaram impugnar o concurso, embora sem sucesso, alegando que a separação dos contratos levou a Transtejo a pagar mais pelo mesmo produto final — que, além disso, fica incompleto e inoperacional enquanto não vierem as baterias.

O Tribunal de Contas diz mesmo que a Transtejo mentiu ao tribunal quando prometeu um novo concurso público. “Tinha perfeito conhecimento de que estava a faltar à verdade ao tribunal quando disse que iria recorrer a um concurso autónomo para o fornecimento das baterias, induzindo-o em erro”, lê-se no acórdão, que acrescenta ainda que, com os dados todos, o tribunal poderia e deveria ter chumbado o primeiro contrato.

Os juízes recusam ainda a explicação apresentada pela Transtejo de que a empresa não tinha verbas suficientes para comprar os navios e as baterias em simultâneo, questionando: “Se este limite só permitia adquirir um navio completo e nove incompletos, não teria sido melhor comprar menos navios, mas completos? Com as baterias, que lhes permitissem navegar?”

Para o tribunal, a decisão da Transtejo é economicamente irracional, mas também ilegal, tendo “elevado grau de gravidade” e atingindo “o interesse financeiro do Estado” com “elevado impacto social”. Por esse motivo, o Tribunal de Contas vai mandar para o Ministério Público uma cópia do acórdão.